Baixa Idade Média: a Igreja Católica e as heresias

Baixa Idade Média: a Igreja Católica e as heresias

Após tratarmos das transformações do feudalismo na chamada Baixa Idade Média, vamos dar continuidade ao tema falando sobre o papel da Igreja Católica e o conceito das heresias da época. Confira a seguir!

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O poder da Igreja Católica na Alta Idade Média

No período da Alta Idade Média, a Igreja Católica influenciou o poder político e as relações sociais desde o século V. Ela também se tornou uma entidade detentora de boa parte das terras da Europa medieval, por isso, tinha muitos vassalos.

Dessa forma, para além do aspecto espiritual e religioso de evangelização, a Igreja se conectou estruturalmente ao feudalismo. Afinal, uma das características desse sistema foi a divisão de imensas terras em feudos. 

O Papa e o Alto Clero – composto por bispos, arcebispos e abades – passaram a controlar diretamente vastas extensões territoriais construindo, assim, um verdadeiro patrimônio eclesiástico feudal.

Logo, fora a nobreza, os clérigos compunham a classe dominante durante o feudalismo. Além disso, a forma de organização da Igreja auxiliava no controle das terras: 

  • Alto clero: formado por membros oriundos da nobreza, os quais exerciam cargos de direção na Igreja, como bispos; e
  • Baixo clero: os eclesiásticos originários dos segmentos mais pobres que atuavam diretamente junto aos fiéis nas paróquias.

Uma outra forma da Igreja manter esse patrimônio sob seus domínios foi a criação do celibato clerical, o qual passou a ser aplicado de modo mais efetivo a partir do século XI. Ele proibia o casamento para os sacerdotes e está em vigor até hoje. 

Dessa forma, os membros da Igreja não teriam herdeiros. Caso isso fosse diferente, disputas pela herança das terras podiam ser geradas. Com o celibato, a Igreja mantinha permanentemente suas propriedades.

Patrimônio de São Pedro: em 756 d.C., a Igreja recebeu de Pepino, o Breve, rei dos Francos, uma grande extensão de terra. Com essa propriedade, o papado constituiu seu próprio Estado, no centro da península Itálica, território que constituiu o embrião do atual Vaticano.

Divergências internas

O crescente apego material da Igreja Católica acabou gerando diferenças entre os religiosos. Os membros pertenciam a dois grupos:

  • Clero secular: voltado para a administração das riquezas terrenas; e
  • Clero regular: defendia a vida em conformidade com as regras dos votos religiosos, mais espirituais.

É interessante perceber que, a partir do século VI, os membros mais espirituais acabaram se organizando em mosteiros e abadias justamente para se dedicarem à fé por meio do isolamento. 

Estes locais foram os principais centros de formação cultural da Idade Média. Isso porque eram espaços propícios para a reflexão e leituras, não somente de textos religiosos. Com efeito, os mosteiros passaram a funcionar como escolas e bibliotecas, pois contribuíram para preservar obras de diversas civilizações, como a greco-romana.

No Monte Cassino, na Itália, São Bento de Núrsia, que era famoso entre camponeses e todo o povo por seus milagres, organizou a primeira ordem monástica no Ocidente. Era a Ordem dos Beneditinos, baseada na regra “orar e trabalhar”, que significava viver, na prática, em estado de obediência, pobreza e castidade, conforme as orientações do clero regular. 

Posteriormente, surgiram os franciscanos e dominicanos, que pregavam o voto de pobreza e por isso eram conhecidos como ordens mendicantes. 

Em 910 d. C., foi fundada a Abadia de Cluny, no sul da França. Ela se tornou importante pois alterou a estrutura de poder na Igreja à medida que os abades passaram a ser autônomos da tutela dos bispos e da influência dos nobres proprietários de terras.

Nomeação de clérigos

Além dessa fragmentação dentro da Igreja, havia o problema da nomeação dos clérigos. Os bispos eram nomeados por leigos – aqueles que não eram formados nas teorias teológicas-, por reis ou por imperadores. Ou seja: sem a influência direta do papado. 

Assim, os governantes eram os responsáveis pela investidura espiritual e, ao

mesmo tempo, detinham o poder político

Da mesma forma, nas paróquias os padres eram praticamente controlados pelos senhores feudais. Isso teve como consequência um empobrecimento da vida espiritual e a falta de independência da Igreja nos assuntos religiosos. Veja o que diz a professora Mônica Amim:

“A desorganização da ordem pública, ocorrida naquele período, facilitou a dominação dos leigos sobre os bens da Igreja: soberanos nomeavam bispos e as famílias poderosas tratavam bispados e abadias como bens particulares, ligados ao patrimônio da linhagem senhorial, reunindo igrejas, terras, dízimos sob a administração senhorial. Com o clero desprovido de independência, a escolha dos poderosos para os ocupantes de cargos recaía, normalmente, sobre pessoas indignas e espiritualmente pobres, fato que levava ao relaxamento dos costumes e à prática de vícios com a simonia22 e o nicolaísmo23”. (idem, p. 130)

Reformas

Em um contexto de busca por uma maior unidade organizacional e doutrinária para a Igreja Católica, o Papado, em Roma, começou a elaborar reformas

Uma delas, promovida pelo papa Gregório VII, no século XI, em 1073, ficou conhecida como a Reforma Gregoriana, a qual buscou reafirmar a supremacia do poder espiritual sobre o temporal – ou seja, das questões materiais e terrenas.

Entre os pontos fundamentais dessa reforma estavam a consolidação do poder supremo do Papa e a determinação para que os senhores feudais e os leigos, de uma forma geral, não mais nomeassem os bispos de sua região

Em dois anos, o Papa Gregório derrubou vários prelados – ou ordenações – concedidos em troca de alguma riqueza. Também instituiu o celibato clerical como regra. Isso gerou grande insatisfação dos senhores feudais mais poderosos.

Por um lado, parte dos motivos que levaram a essa reforma estava ligada à resolução de problemas internos da Igreja. Em outras palavras, queriam fazer com que a Instituição e a cristandade voltassem aos tempos de Cristo, entendida como a época primitiva do Cristianismo marcada pelos Apóstolos, em busca de maior unidade doutrinária.

Por outro lado, os motivos da reforma também visavam restabelecer o poder do Papa sobre o poder feudal. Esse último aspecto era importante para assegurar o comando sobre as mentes e os corações dos cristãos.

Querela das Investiduras

Dessa iniciativa do Papado em controlar as nomeações dos bispos e dos padres nas paróquias eclodiu a Querela das Investiduras. Isto é, a disputa entre reis e senhores, de um lado e, do outro, a Igreja, para nomear os clérigos.

O conflito só se resolveu em 1122, com a assinatura da Concordata de Worms cuja solução mediada estabeleceu 2 formas de investidura:

Igreja do Ocidente X Igreja do Oriente

As primeiras grandes divergências na Igreja Católica foram aquelas entre a Igreja do Ocidente (Católica Apostólica Romana) e a do Oriente (Ortodoxa, em Constantinopla e pertencente ao Império Bizantino). 

Dentre as divergências estavam a forma de culto às imagens (ícones) e a maior ou menor proximidade do poder imperial

Dessa diferença entre a Igreja com sede em Roma e a Igreja Bizantina, surgiu o Cisma do Oriente, no ano de 1054. 

Na Baixa Idade Média, também apareceram divergências quanto às concepções doutrinárias entre as duas instituições. Além da Querela das Investiduras, houve diferenças mais fratricidas e com respostas mais duras e violentas por parte da Igreja Católica. Vamos vê-las?

Heresias

Por volta dos séculos XII ao XIII, houve o surgimento de seitas e facções que, embora baseadas no Cristianismo, contrariavam a doutrina oficial da Igreja Católica no que se refere a princípios mais estruturantes – e, com isso, geravam incompatibilidades de doutrinamento.

Essas divergências passaram a ser denominadas de heresias. Surgiram como movimentos espontâneos, mas algumas delas fundaram igrejas com hierarquias próprias. Elas foram classificadas em dois tipos:

Os chamados hereges foram combatidos com extrema violência pela Igreja Católica,

principalmente após a criação e organização do Tribunal do Santo Ofício no século XIII, em 1231, pelo Papa Gregório IX. 

O objetivo do Tribunal era descobrir e julgar os hereges;  seu julgamento chamava-se Inquisição do Santo Ofício. Os castigos iam de excomunhão até a morte na fogueira. 

O historiador Georges Duby24 associa o aparecimento e as atividades dos grupos considerados heréticos como um sinal de vitalidade intelectual daquela época porque, na prática, representavam o questionamento a um sistema que se pretendia universal e homogêneo. Veja um trecho em que afirma tais ideias:

“A Idade Média foi o momento de um fervilhar de heresias no interior de um sistema homogêneo, que era o cristianismo. A Igreja preocupou-se em destruir esses desvios, e com violência. […] O que ocorria, sobretudo, eram movimentos de resistência e revolta com relação às instituições eclesiásticas. E é nisso que as heresias, apresentadas sob um aspecto inteiramente negativo, constituem também um sinal de vitalidade daquela época, na qual fermentava, irreprimível, a liberdade de pensamento.” (p. 133 – grifo nosso)

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Veja também:

Texto elaborado com base no material didático da professora Alê Lopes.

Referências Bibliográficas

22 Simonia: obtenção de um ofício divino por meio de influência e dinheiro.

23 Nicolaísmo: recusa do celibato dos sacerdotes.

24 DUBY,G. Ano 1000, ano 2000: na pista dos nossos medos. SP: Unesp, 1998.

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