Preparado para mais um conteúdo da série sobre a Idade Média? Primeiro, tratamos da formação da ordem feudal na Alta Idade Média. Depois, falamos do papel da Igreja Católica na construção do feudalismo na Europa. Agora vamos falar sobre o apogeu do feudalismo. Confira!
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Feudalismo
Quando falamos de feudalismo, estamos nos referindo ao “Mundo Medieval”. Este é um termo genérico para designar a forma como os homens e mulheres do período da Idade Média viviam.
Contudo, na Idade Média, na Europa Ocidental, desenvolveu-se um modo específico de organizar a sociedade: o modo de produção feudal – o Feudalismo.
O esquema acima é importante para que você não confunda e trate a Idade Média como sinônimo de feudalismo. Eles são conceitos diferentes.
Segundo as palavras do professor Jacques Le Goff:
“Feudalismo é um sistema de organização econômica, social e política, no qual uma camada de guerreiros especializados – os senhores –, subordinados uns aos outros por uma hierarquia de vínculos de dependência, domina uma massa campesina que trabalha na terra e lhes fornece com que viver.”13
O Feudo
No feudalismo, o feudo é o lugar onde tudo acontecia. Os grandes historiadores, como Perry Anderson e Jacques Le Goff, costumam defini-lo como “unidade produtiva autossuficiente”.
O feudalismo é o único sistema político, econômico e social no qual o espaço físico é, ao mesmo tempo, a unidade produtiva e o lugar onde as pessoas moram, rezam, trabalham, festejam, casam-se, celebram a vida e a morte. Por isso, os historiadores chamam o feudo de unidade produtiva – porque é nele que tudo se produz e toda forma de riqueza se constitui.
O feudo é autossuficiente porque, além de servir para produzir, serve também para outras atividades sociais, políticas, culturais e religiosas necessárias para a vida em sociedade.
Para fazer uma comparação, é como se, no capitalismo, tudo ocorresse dentro de uma fábrica. Sendo assim, a fábrica é uma unidade produtiva porque produz mercadorias, mas não é autossuficiente.
Ao longo do tempo, para que o feudo se tornasse uma unidade produtiva autossuficiente, ele foi organizado de maneira que cada um dos seus espaços cumprisse uma função determinada e, assim, pudesse ser ocupado por grupos sociais específicos. Veja a imagem abaixo:
A partir da imagem, podemos identificar alguns lugares chamados de mansos. Veja que em cada espaço existem relações de produção e sociais específicas. Atente para o fato de que podemos estabelecer uma série de ligações entre economia, sociedade e política no feudo.
Sociedade, Política, Economia
Sociedade
Os aspectos políticos, econômicos e sociais do feudalismo, que se concretizam no feudo, devem ser pensados de maneira relacional. Você sabe o que isso significa?
Significa que precisamos estabelecer pontes de causa e efeito entre aqueles elementos. Assim, vamos descrever as características e, ao mesmo tempo, estabelecer as relações.
A sociedade feudal era estamental, ou seja, estava dividida em estamentos. Cada estamento era composto por um grupo ou classe social.
A participação do indivíduo, em cada grupo social, era determinada pelo seu nascimento e\ou pela função que o indivíduo executava na sociedade. Isso formava uma pirâmide social.
No feudalismo havia duas classes sociais divididas em três ordens sociais estabelecidas. Veja o esquema:
Assim, os historiadores concordam que a sociedade feudal estava dividida em três ordens principais, conforme o esquema acima, as quais estavam determinadas pelo nascimento. Essa lógica definia as funções dos membros de cada estamento na organização da sociedade.
Cuidado com uma singularidade: o clero! Observe que as pessoas não nasciam como membros do clero. Elas nasciam no seio da nobreza. Por isso, quem nasceu nobre no feudalismo, executava duas atividades diferentes: guerrear ou orar.
Já quem nasceu plebeu – sem propriedades, sem herança e sem status – eram os trabalhadores. Eles estavam, majoritariamente, submetidos à relação de servidão, por isso, são conhecidos como servos.
- NOBREZA (ou Bellatores – palavra latina que significa guerreiros): ordem dos detentores de terra, que se dedicavam, principalmente, às atividades militares. Sobre eles não recaia nenhum imposto, apenas a obrigação de guerrear. Ao contrário, recebiam taxas devido ao fato de serem os proprietários das terras e dos instrumentos de trabalho. Portanto, eram privilegiados;
- CLERO (ou Oratores – palavra latina que significa rezadores): ordem dos membros da Igreja Católica. Havia o Baixo Clero, que eram os membros sacerdotes e diáconos, e o Alto Clero, que eram os bispos, arcebispos e sacerdotes e o próprio Papa. As famílias nobres mais ricas ficavam com os cargos mais altos da Igreja. Estes detinham poder e influência política sobre os nobres donos de terras. Os de pouca riqueza e os que não tinham tantas terras ficavam no Baixo Clero. Essa ordem também era isenta de pagamento de taxas e impostos. Portanto, também eram privilegiados.
- SERVOS (ou Laboratores, palavra latina que significa trabalhadores): ordem composta pela população camponesa as quais realizavam as atividades de subsistência material para todas as classes sociais do feudo. Ser servo significava estar preso à terra vitaliciamente – a pessoa e toda a família. Os servos deviam produzir três dias por semana no manso senhorial e nos outros três dias recebiam o manso servil no qual podiam plantar para si e sua família, desde que pagassem as determinadas taxas aos senhores feudais. No sétimo dia da semana, realizavam suas atividades religiosas e culturais. Por isso, não tinham privilégio algum.
Cada uma das ordens sociais tinha uma função que, na verdade, era entendida como obrigação – não havia formas de mudar essas condições. Não há mobilidade social em sociedades estamentais, porque o critério de pertencimento ao estamento é o nascimento.
Além disso, a mentalidade feudal era muito influenciada pela Igreja Católica e essa instituição pregava que a divisão desigual fazia parte da ordem criada por Deus. Por isso, deveria ser aceita por todos, sob pena de castigos divinos terríveis. Veja abaixo um texto de um clérigo, Eadmer de Canterbury (ou Cantuária), do século XI:
“A razão de ser dos carneiros é fornecer leite e lã, a dos bois é lavrar a terra; e a dos cães é proteger os carneiros e os bois dos ataques dos lobos. Se cada uma destas espécies de animais cumprir a sua missão, Deus protegê-la-á. Deste modo, fez ordens, que instituiu em vista das diversas missões a realizar neste mundo. Instituiu uns – os clérigos e os monges – para que rezassem pelos outros e, cheios de doçura, como as ovelhas, sobre eles derramassem o leite da pregação e com a lã dos bons exemplos lhes inspirassem um ardente amor à Deus. Instituiu os camponeses para que eles – como fazem os bois, com seu trabalho – assegurassem a sua própria subsistência e a dos outros. A outros, por fim – os guerreiros -, instituiu-os para que mostrassem a força na medida do necessário e para que defendessem dos inimigos, semelhantes a lobos, os que oram e os que cultivam a terra” 14 .
Papel da mulher na idade média
Normalmente, tem-se um pensamento negativo quando se relaciona o contexto medieval com o modo de vida da mulher. E, de fato, a sociedade era misógina em todas as esferas.
O casamento era, na prática, um sistema que criava relações político-econômicas entre os feudos. Era outra forma de consolidar as relações entre suseranos e vassalos.
A mulher, quando casada, era destinada à família do marido e não tinha o direito de herança e sucessão. Além disso, recebia dotes, mas eles eram administrados pelo marido.
Já o cotidiano da mulher nobre não era tão passivo: ela tinha a função, por exemplo, de administrar as despesas da casa, monitorar os ajudantes e responsabilizar-se pelos vestuários. Isso era um papel importante, porque as famílias naquela época eram muito maiores.
Por sua vez, as mulheres camponesas possuíam outro dia a dia. Os homens camponeses trabalhavam na agricultura e as mulheres os acompanhavam e ajudavam. Existiam também as profissões de cozinha e de confecção que eram consideradas “femininas”.
Vale ressaltar que a Igreja era a instituição mais influente na vida dos indivíduos. Dessa forma, ela impunha certos preceitos que construíram a cultura e a forma de pensar medieval, principalmente em relação à mulher.
Por causa do pecado de Eva, por exemplo, as pessoas não viveriam no reino dos céus e as mulheres teriam que viver para sempre com a dor do parto. Já Maria, era considerada a Virgem e Santa, que veio para redimir os homens. Ou seja, naquele momento histórico também persistia a dualidade da visão masculina sobre o feminino.
Outro fato interessante era a visão que se tinha da menstruação. As mulheres eram proibidas de participar dos ritos sacerdotais e tocar os ornamentos sagrados pelo medo de contaminação que a menstruação poderia causar.
Entretanto, ironicamente, era dentro dos conventos que as mulheres poderiam conquistar maior liberdade, pois, ali tinham a oportunidade da aprendizagem.
Outro ponto muito importante para ser levantado é o impacto sobre as mulheres acerca da compreensão da Idade Média, segundo a qual o período medieval teria sido atrasado e a Antiguidade Clássica avançada.
De fato, o período medieval era muito conservador, principalmente para as mulheres. Porém, foi nele que elas tiveram um avanço: a tentativa de libertação por meio do trabalho e, em alguns casos, da educação formal. Isso não existia no contexto clássico, pois o feminino apenas tinha algum papel na clandestinidade, especialmente, as mulheres de Atenas.
Além disso, foi com o avanço da Idade Moderna e da retomada do direito romano que se começou a restringir a pequena liberdade da mulher e sua capacidade de ação. A famosa caça às bruxas, por exemplo, aconteceu na Idade Moderna, durante os séculos XV e XVII, e executou entre 40 e 100 mil mulheres na fogueira.
Política
Dentre tudo isso que vimos até agora, fica uma dúvida: onde foi parar o rei?
O rei existia, pois esse era título de nobreza mais importante e antigo. Ele provém de Carlos Magno, seus filhos e os filhos de seus filhos. Contudo, a origem do poder político na Baixa Idade Média era a terra. Na verdade, já era assim antes.
Lembra de que os patrícios, na Roma Antiga, eram donos de terra e, por isso, tinham mais poder? Especialmente, no contexto das invasões bárbaras, entre os séculos V e IX, conquistar e deter terras era atividade fundamental para obter poder político. Esse processo fazia parte da formação dos Reinos Germânicos, como o Reino Franco, existente entre os séculos V e VIII d.C.
No entanto, a partir da fusão do comitatus – estabelecimento de laços de fidelidade entre o chefe militar e os seus comandados guerreiros – com o beneficium – os chefes militares concediam a seus guerreiros posses de terras-, gerou-se a relação de Suserania e Vassalagem. Ou seja, o rei, em troca de fidelidade, oferecia terra aos guerreiros.
Para esclarecer, Suserano é diferente de vassalo. Ele é quem doa a terra e o vassalo é quem a recebe.
O resultado dessas relações foi a fragmentação territorial dos reinos e, consequentemente, a descentralização do poder político. Os guerreiros, agora senhores de terra e agraciados com títulos de nobreza (títulos nobiliárquicos), tinham poder sobre suas terras e sobre tudo o que estivesse nela.
Por isso, no feudo, o nobre senhor feudal era o único a exercer o poder temporal sem interferência de qualquer outro senhor, nem mesmo seu suserano. Veja o que diz a professora Mônica Amim16:
“Visto que as invasões marcaram um período essencial para a formação das sociedades feudais do Ocidente, verifica-se então a consolidação do poder dos castelães17 que podiam oferecer abrigo fortificado […]. Consequentemente, instalou-se uma nova ordem baseada em laços de dependência e juramentos que, aliada à emancipação dos principados regionais, constituía-se em verdadeiro obstáculo à autoridade real.” (p. 123)
Lembre-se que a relação de suserania e vassalagem se trata de uma relação entre dois membros da nobreza. Não confunda com as relações de servidão estabelecidas entre o senhor feudal e um servo!!
Essa descentralização política pode ser exemplificada pela lógica “o vassalo do meu vassalo, não é meu vassalo”, ou seja, os laços de dependência e juramentos era uma relação entre dois nobres apenas.
Quando o vassalo morria, o feudo ficava de herança para seu primeiro filho homem, o direito de primogenitura. Mesmo assim, o herdeiro precisava refazer o ritual da relação de suserania e vassalagem para, assim, tornar-se o vassalo do suserano de seu falecido pai. Leia um trecho do estudioso E.A. Kosminsky18:
“O rei não tinha poder algum sobre os domínios dos duques e condes. Seus vassalos não eram considerados súditos dos reais. Vigora um princípio segundo o qual “o vassalo de meu vassalo não é meu vassalo”. Cada um dos duques e condes administrava os assuntos do governo interno, fazia a guerra e firmava tratados, sem consultar o rei. Os duques e condes tinham seus próprios vassalos, os quais por sua vez, podiam ter os seus cavalheiros de menor categoria. […]O vassalo recebe do senhor um feudo. O feudo se transmitia por herança ao filho mais velho Depois da morte do vassalo, seu filho mais velho se apresentava perante o senhor, ajoelhava-se, punha suas mãos nas mãos do senhor e se declarava seu vassalo: jurava fidelidade ao senhor e se comprometia a servir-lhe daí em diante. Então, o senhor lhe transmitia a posse do feudo.”
Dito isso, concluímos que o título de rei continuava existindo, mas sem um grande reino com poder centralizado. O rei é, também, um importante senhor feudal.
Por isso, no feudalismo, a relação política fundamental era a de Suserania e Vassalagem.
Economia
De um ponto de vista mais geral, a economia na Europa Ocidental era rural, com graus diferentes a depender da região.
Em especial, na Idade Média, a economia europeia ficou isolada em relação aos outros continentes. Em muitas regiões, ocorreu o desaparecimento da moeda devido ao desuso. Além disso, os pesos e medidas se regionalizaram. Tudo isso se transformou em um obstáculo maior à atividade mercantil.
É verdade que, durante o Império Carolíngio, no Governo de Carlos Magno, houve uma abertura de rotas para a exploração mercantil, mas elas não foram suficientes para reverter a dinâmica estrutural do empobrecimento do Ocidente Europeu desde o século V, com a desintegração do Império Romano do Ocidente.
Dessa forma, o feudo foi a unidade produtiva que resultou dessa experiência multissecular. Nos feudos, a economia era autossuficiente, ou seja, produzia-se o necessário para a sociedade que ali vivia.
Até o século X, dificilmente ocorria excedente de produção. Isso acontecia porque as técnicas de produção eram rudimentares e existia grande preocupação com as invasões de povos de fora dos feudos.
Como não havia grandes atividades econômicas, porque a produção era de subsistência, e como não havia moeda, as trocas e o pagamento de taxas e impostos eram realizados por meio da própria produção. Um bom exemplo, foram as taxas que os servos tinham que pagar aos senhores feudais. Essas eram, majoritariamente, em víveres19.
Veja no esquema abaixo quais foram as taxas que os servos tinham que pagar obrigatoriamente:
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Texto elaborado com base no material didático da professora Alê Lopes.
Referências Bibliográficas:
1 LE GOFF, Jacques. A Civilização do Ocidente Medieval. Lisboa: Editorial Estampa. Vl. 1. 1983, p. 29.
2 LE GOFF, Jacques, Idem. p. 27.
3 ANDERSON, Perry. Passagens da Antiguidade ao Feudalismo. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1989.
4 ROUCHE, Michel. Alta Idade Média Ocidental, p. 403.
5 LE GOFF, Jacques. A civilização do Ocidente Medieval, 2005.
6 TÁCITO. A Germânia. In: PINSKY, Jaime (org.). 100 textos de História Antiga. São Paulo: Contexto, 1988. p. 74-75
7 ANDERSON, Perry. Op. Cit.,p. 126.
8 ANDERSON, Perry. Passagens da Antiguidade ao Feudalismo. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1989, p. 131.
9 DUBY, Georges. História artística da Europa: A idade Média. São Paulo: Ed. Paz e Terra, 1997.
10 ARRUDA, José Jobson de A. Atlas Histórico Básico. São Paulo: Ed. Ática, 2008, p 13
11 BASCHET, J. A civilização feudal. Do ano mil à colonização da América. São Paulo: Ed. Globo Livros, 2014
12 ARRUDA, José Jobson de A. Atlas histórico básico. São Paulo: Ática, 2008. p.15.
13 LE GOFF, Jacques. A civilização ocidental medieval. Lisboa: Ed. Estampa, 1983
14 Eadmer de Cantebury. Apud. COTRIM, Gilberto. História Global. Brasil e Geral. São Paulo: Ed. Saraiva, 2012, p. 179.
15 COTRIM, G. Gilberto. História Global. Brasil e Geral. São Paulo: Ed. Saraiva, 2012, p. 178.
16 AMIM, Mônica. Idade Média:um tempo de fazer cristão. In: Revista ComparArte, Rio de Janeiro, Volume 01, Número 01, JanJun 2017, pp. 12116-142.
17 Castelães, nesse caso, era o dono do castelo ou o senhor de terra.
18 KOSMINSKY, E.A. História da Idade Média. Centro do Livro Brasileiro. Sem Data. p.35.
19 Víveres eram os mantimentos ou alimentos necessários à sobrevivência