A tarde descia, calma, radiosa, sem um estremecer de folhagem, cheia de claridade dourada, numa larga serenidade que penetrava a alma. Ele tê-la-ia pois encontrado, ali mesmo naquele terraço, vendo também cair a tarde — se ela não estivesse impaciente por tornar a ver a filha, algum bebezinho louro que ficara só com a ama. Assim, a brilhante deusa era também uma boa mamã; e isto dava-lhe um encanto mais profundo, era assim que ele gostava mais dela, com este terno estremecimento humano nas suas belas formas de mármore. Agora, já ela estava em Lisboa; e imaginava-a nas rendas do seu penhoar, com o cabelo enrolado à pressa, grande e branca, erguendo ao ar o bebé nos seus esplêndidos braços de Juno, e falando-lhe com um riso de ouro. Achava-a assim adorável, todo o seu coração fugia para ela... Ah! Poder ter o direito de estar junto dela, nessas horas de intimidade, bem junto, sentindo o aroma da sua pele, e sorrindo também a um bebé. E, pouco a pouco, foi-lhe surgindo na alma um romance, radiante e absurdo: um sopro de paixão, mais forte que as leis humanas, enrolava violentamente, levava juntos o seu destino e o dela; depois, que divina existência escondida num ninho de flores e de sol, longe, nalgum canto da Itália... E toda a sorte de ideias de amor, de devoção absoluta, de sacrifício, invadiam-no deliciosamente — enquanto os seus olhos se esqueciam, se perdiam, enlevados na religiosa solenidade daquele belo fim da tarde. Do lado do mar subia uma maravilhosa cor de ouro pálido, que ia no alto diluir o azul, dava-lhe um branco indeciso e opalino, um tom de desmaio doce; e o arvoredo cobria-se todo de uma tinta loura, delicada e dormente. Todos os rumores tomavam uma suavidade de suspiro perdido. Nenhum contorno se movia como na imobilidade de um êxtase. E as casas, voltadas para o poente, com uma ou outra janela acesa em brasa, os cimos redondos das árvores apinhadas, descendo a serra numa espessa debandada para o vale, tudo parecera ficar de repente parado num recolhimento melancólico e grave, olhando a partida do sol, que mergulhava lentamente no mar...
(Eça de Queiroz, Os Maias, Rio de Janeiro: Zahar, 2014. p.238)
Entre os termos elencados abaixo, aqueles que predominam no trecho destacado de Os Maias são