O mito europeísta reproduzido pelo presidente da Argentina
Marcelo Roubicek10 de jun de 2021(atualizado 10/06/2021 às 15h16)
Alberto Fernández diz que ‘brasileiros saíram da selva’ e argentinos ‘dos barcos’. Fala racista remete a pensamento que enaltece a origem branca e invisibiliza as heranças indígenas e africanas no país
O presidente da Argentina, Alberto Fernández, disse na quarta-feira (9) que “os mexicanos vieram dos indígenas; os brasileiros saíram da selva; e nós [argentinos], chegamos em barcos, barcos que eram vindos da Europa”. Fernández atribuiu a frase erroneamente ao escritor mexicano Octavio Paz. Na realidade, a citação é de uma canção do músico argentino Litto Nebbia.
Feita durante um encontro com o premiê da Espanha, Pedro Sánchez, a fala de Fernandéz foi considerada racista e alvo de uma série de críticas nas redes sociais e entre líderes políticos e artistas da América Latina. Após a repercussão negativa, o presidente foi às redes para pedir desculpas a quem se sentiu ofendido. Ele disse que se referia aos mais de 5 milhões de imigrantes que chegaram à Argentina na primeira metade do século 20 e “conviveram com nossos povos originários”. Ele também afirmou que “nossa diversidade é um orgulho”.
A declaração do líder da Argentina remeteu ao mito da formação racial do país, que enaltece a herança europeia e invisibiliza as origens indígenas e africanas de parte da população argentina. Abaixo, o Nexo mostra de onde vem esse pensamento, por que ele não se sustenta, e como mitos raciais também persistem no Brasil.
O mito europeísta argentino
A ideia de que as raízes da população argentina são exclusivamente europeias não é verdadeira, mas é amplamente disseminada. Esse suposto europeísmo é frequentemente reproduzido por importantes figuras públicas do país. Como Fernández, outros presidentes recentes também fizeram menções a uma falsa homogeneidade branca e europeia na população do país.
Em 1993, o então presidente Carlos Menem (1989 a 1999) disse que “não há negros” na Argentina, e afirmou que isso ocorria porque o país abolira a escravidão em 1813, o que não é verdade. Em 1813, foi aprovada uma lei análoga à Lei do Ventre Livre brasileira, que determinou que descendentes de escravizados nasceriam livres. Mas a abolição só aconteceu de fato em 1853.
Em 2018, foi Mauricio Macri (2015 a 2019) que disse erroneamente que os argentinos são “todos descendentes da Europa”.
As políticas de branqueamento no século 19
Um censo feito em 1778 apontou que, à época, 37% da população da Argentina, então colônia espanhola, era africana ou descendente de africanos. Assim como no Brasil, a grande maioria dessas pessoas era escravizada. Por décadas após a independência da Espanha, em 1816, essa participação ficou estável em torno de 30%.
O quadro mudou principalmente a partir da segunda metade do século 19. Sob a influência de pensadores eugenistas europeus e argentinos, o branqueamento da população virou política de Estado. A Constituição de 1853 – a mesma que aboliu a escravidão – também trazia medidas para estimular a imigração europeia. Entre 1868 e 1874, a Argentina foi presidida por Domingo Faustino Sarmiento, um dos intelectuais dessa corrente racista.
Depois de Sarmiento, Julio Argentino Roca – que governou entre 1880 e 1886 e depois entre 1898 e 1904 – foi responsável por aprofundar a prática de extermínio e apagamento das populações indígenas, que já vinha de séculos anteriores. O principal capítulo dessa política é conhecido como “Conquista do Deserto”, ou “Campanha do Deserto”. Trata-se do conjunto de expedições militares coordenadas pelo governo argentino na segunda metade do século 19 para ocupar territórios na Patagônia e nos Pampas.
Apesar do apelido dado à ofensiva, essas terras não estavam desertas, e eram ocupadas por diferentes comunidades indígenas. Nas campanhas, o exército argentino promoveu o extermínio de boa parte dessas populações, em processo reconhecido por historiadores como um etnocídio ou um genocídio.
(https://www.nexojornal.com.br/expresso/2021/06/10/O-mito-europe%C3%ADsta-reproduzido-pelo-presidente-da-Argentina)
Feita durante um encontro com o premiê da Espanha, Pedro Sánchez, a fala de Fernandéz foi considerada racista e alvo de uma série de críticas nas redes sociais e entre líderes políticos e artistas da América Latina.
No trecho acima, há construção de uma oração subordinada reduzida de particípio que deve ser classificada como