O fragmento abaixo pertence ao romance Dom Casmurro, de Machado de Assis. Nele, temos um diálogo entre Bento Santiago – na adolescência, Bentinho; na velhice, Dom Casmurro – e seu amigo Escobar.
Texto I
Capítulo LXXVIII
Segredo por segredo
De resto, naquele mesmo tempo senti tal ou qual necessidade de contar a alguém o que se passava entre mim e Capitu. Não referi tudo, mas só uma parte, e foi Escobar que a recebeu. Quando voltei ao seminário, na quarta-feira, achei-o inquieto; disse-me que era sua intenção ir ver-me, se eu me demorasse mais um dia em casa. Perguntava-me com interesse o que é que tivera, e se estava bom de todo.
-- Estou.
Ouvia, espetando-me os olhos. Três dias depois disse que me estavam achando muito distraído; era bom disfarçar o mais que pudesse. Ele, à sua parte, tinha razões para andar distraído também, mas buscava ficar atento.
-- Então parece-lhe...?
-- Sim, você às vezes está que não ouve nada, olhando para ontem; disfarce, Santiago.
-- Tenho motivos...
-- Creio; ninguém se distrai à toa.
-- Escobar...
Hesitei; ele esperou.
-- Que é?
-- Escobar, você é meu amigo, eu sou seu amigo também; aqui no seminário você é a pessoa que mais me tem entrado no coração, e lá fora, a não ser a gente da família, não tenho propriamente um amigo.
-- Se eu disser a mesma cousa, retorquiu ele sorrindo, perde a graça; parece que estou repetindo. Mas a verdade é que não tenho aqui relações com ninguém, você é o primeiro e creio que já notaram; mas eu não me importo com isso.
Comovido, senti que a voz se me precipitava da garganta.
-- Escobar, você é capaz de guardar um segredo?
-- Você que pergunta é porque duvida, e nesse caso...
-- Desculpe, é um modo de falar. Eu sei que é moço sério, e faço de conta que me confesso a um padre.
-- Se precisa de absolvição, está absolvido.
-- Escobar, eu não posso ser padre. Estou aqui, os meus acreditam, e esperam; mas eu não posso ser padre.
-- Nem eu, Santiago.
-- Nem você?
-- Segredo por segredo; também eu tenho o propósito de não acabar o curso; meu desejo é o comércio, mas não diga nada, absolutamente nada; fica só entre nós. E não é que eu não seja religioso; sou religioso, mas o comércio é a minha paixão.
-- Só isso?
-- Que mais há de ser?
Dei duas voltas e sussurrei a primeira palavra da minha confidência, tão escassa e surda, que não a ouvi eu mesmo; sei porém que disse «uma pessoa...» com reticência. Uma pessoa...? Não foi preciso mais para que ele entendesse. Uma pessoa devia ser uma moça.
ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. São Paulo: Scipione, 1996.
No fragmento do capítulo intitulado “Segredo por segredo”, há momentos em que o narrador utiliza discurso direto e outros em que utiliza discurso indireto. Há, no entanto, uma passagem em que uma fala reproduzida em discurso direto responde a uma pergunta realizada em discurso indireto. Aponte-a.