O dia enegreceu; era noite já.
O pajé tornara à cabana; sopesando de novo a grossa laje, fechou com ela a boca do antro. Caubi chegara também da grande taba, onde com seus irmãos guerreiros se recolhera depois que bateram a floresta, em busca do inimigo pitiguara.
No meio da cabana, entre as redes armadas em quadro, estendeu Iracema a esteira da carnaúba, e sobre ela serviu os restos da caça, e a provisão de vinhos da última lua. Só o guerreiro tabajara achou sabor na ceia, porque o fel do coração que a tristeza espreme não amargava seu lábio.
O pajé bebia no cachimbo o fumo sagrado de Tupã que lhe enchia as arcas do peito; o estrangeiro respirava ar às golfadas para refrescar-lhe o sangue efervescente; a virgem destilava sua alma como o mel de um favo, nos crebros soluços que lhe estalavam entre os lábios trêmulos.
Já partiu Caubi para a grande taba; o pajé traga as baforadas do fumo, que prepara o mistério do sagrado rito.
Levanta-se no ressono da noite um grito vibrante, que remonta ao céu.
Martim ergue a fronte e inclina o ouvido. Outro clamor semelhante ressoa. O guerreiro murmura, que o ouça a virgem e só ela:
— Escutou, Iracema, cantar a gaivota?
— Iracema escutou o grito de uma ave que ela não conhece.
ALENCAR, José de. Iracema. Fonte: Domínio Público. Disponível em: https://tinyurl.com/ycknw3d5. Acesso em: 29 jul. 2022.
Apesar de romântico, a passagem expressa uma característica atípica ao indianismo que é o: