Texto IV
O que minha cadela pensa de mim
1 Meu nome é Lola. É assim que me chamam. Quando gritam o meu nome, sei que
2 me querem perto deles. Psicologicamente posso ser definida como um animal
3 incapaz de mentir ou fingir. Minha alma mora na minha pele. Quando estou alegre,
4 meu rabo abana por conta própria, independente da minha vontade. Quando a
5 alegria é demais, dou umas mijadinhas. Quando estou triste, meu rabo e minha
6 cabeça abaixam. Quando estou com sono, me esparramo no chão, do rabo ao
7 focinho. Tudo se dependura: pele, orelhas, testa, olhos. Meu dono gosta de mim
8 embora fique bravo quando eu pulo para abraçá-lo e lhe dou uma lambida. O que
9 é verdade para mim não é verdade para o meu dono. A alma dele não mora na
10 pele. Ele mente. Ele finge. Nunca o vi dar uma mijadinha de felicidade. Talvez ele
11 não seja suficientemente feliz para isso. Às vezes, eu estou deitada do jeito como
12 descrevi e ele está assentado numa cadeira. Ele olha para mim de um jeito
13 diferente. Não é alegria. Não é tranquilidade. Acho que é inveja. Ele gostaria de
14 ser como eu sou, mas não tem coragem… Está morrendo de vontade de se
15 esparramar também no chão frio, como eu. Mas não o faz. Fico a pensar: o que o
16 impede? Acho que é vergonha. Os homens têm vergonha uns dos outros. Sou feliz
17 porque não tenho vergonha e faço o que quero. Talvez essa seja a razão por que
18 os homens gostam de ter pets: porque nos pets eles projetam uma felicidade que
19 eles mesmos não têm. Diga-me o pet que você tem e eu saberei como é a sua alma.
20 Os pets têm uma função terapêutica. Bem, eu sou uma cadela, e tudo o que disse
21 foi de brincadeirinha. Porque eu mesma, na realidade, me contento em ser feliz.
22 Não gasto tempo pensando essas coisas…
ALVES, Rubem. Ostra feliz não faz pérola. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2008.
A função textual do pronome é funcionar como elemento de substituição que assegura a continuidade das ideias do texto. Com base nisso, releia o seguinte trecho: “Mas não o faz. Fico a pensar: o que o impede?” (L 15 e 16). Dessa maneira, os pronomes destacados fazem referência