Texto I
Por que a crença de que vivemos em bolhas talvez seja um mito
David Robson
BBC Future
22 julho 2018
No início dos anos 2000, quando muitos comentaristas estavam maravilhados com a liberdade da internet e seu potencial democrático, o jurista Cass Sunstein fez um sério alerta.
Esse Velho Oeste virtual, disse ele, nos permite superar algumas barreiras sociais e geográficas e estabelecer uma visão mais balanceada do mundo. Mas é igualmente possível simplesmente construir novas barreiras, à medida que pessoas que pensam parecido se reúnem em grupos homogêneos, compartilhando os mesmos pontos de vista e fontes de informação.
"Embora milhões de pessoas estejam usando a internet para expandir seus horizontes, muitas estão fazendo o oposto, criando um Jornal Eu (uma espécie de noticiário personalizado) sob medida para seus interesses e preconceitos", escreveu Sunstein. Com isso, eles viveriam em "câmaras de eco", provocando grande polarização na política de um país.
Outros comentaristas depois abraçaram a ideia, ressaltando que as próprias plataformas de tecnologia podem criar barreiras entre os diferentes grupos.
Facebook e Twitter, por exemplo, podem entender que você costuma clicar mais em notícias compartilhadas pelo jornal americano The New York Times do que pelo tabloide britânico Daily Mail e, por isso, promoverem especificamente essas histórias para você.
"Isso é feito porque existe informação demais, e uma pessoa não conseguiria consumir tudo", diz Elizabeth Dubois, da Universidade de Ottawa, no Canadá. "Essa é uma ferramenta muito útil, mas isso significa que você vai acabar em uma bolha com base no que a plataforma ou companhia decidiu que se encaixa em seus objetivos."
Hoje, os riscos de "câmaras de eco" e "bolhas" são uma verdade incontestável e ajudam a explicar as divisões na opinião pública que muitas vezes parecem seguir rígidas linhas partidárias.
Quase 78% dos eleitores da democrata Hillary Clinton apoiavam o movimento "Black Lives Matter" (Vidas Negras Importam, em inglês), por exemplo, comparados a apenas 31% dos eleitores do republicano Donald Trump.
Mas será que isso realmente surge de um comportamento online cego? Ou ocorrem por dinâmicas mais sutis?
Embora haja pouca dúvida de que nossos hábitos de leitura moldam nossas opiniões políticas - ainda que não esteja claro até que ponto a propaganda direcionada pode influenciar o comportamento dos eleitores -, alguns estudos relevantes sugerem que a influência das câmaras de eco e bolhas tem sido superestimada.
Considere o artigo de Seth Flaxman e seus colegas da Universidade de Oxford, no Reino Unido, que examinaram o histórico online de 50 mil usuários nos Estados Unidos.
Em linha com o senso comum, usuários de mídias sociais e mecanismos de busca acabaram encontrando fontes de notícias mais polarizadas, o que pode se traduzir numa visão de mundo mais extrema.
Fundamentalmente, no entanto - e contrário ao conceito de câmara de eco e bolhas online -, os usuários também eram propensos a visitar sites com visões opostas. De forma geral, seu consumo de mídia era mais variado.
"Parece contra-intuitivo, mas a navegação direta geralmente consiste em apenas um ou dois sites que você lê regularmente - tais como BBC e CNN – enquanto que, por sua natureza, as redes sociais vão expor um número maior de fontes, aumentando a diversidade", diz Flaxman, que agora integra a equipe do Imperial College London.
Flaxman enfatiza que o estudo tem base em dados de 2013 e que a situação pode ter mudado desde então. Mas uma pesquisa sobre as eleições presidenciais de 2016 vai totalmente de encontro com esses achados, com a maioria das pessoas relatando uma gama de opiniões em seus feeds de mídia social.
(Disponível em <https://www.bbc.com/portuguese/vert-fut-44829514> Acesso em 11 jan. 2021)
No trecho “Com isso, eles viveriam em ‘câmaras de eco’, provocando grande polarização na política de um país”, o verbo em destaque deve ser lido a partir de uma significação de