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2020
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Texto I

No início

(Neil deGrasse Tyson)

No início, havia a física. A “física” descreve como a matéria, a energia, o espaço e o tempo se comportam e interagem uns com os outros. A interação desses atores em nosso drama cósmico está subjacente a todos os fenômenos biológicos e químicos. Por isso, tudo o que é fundamental e familiar a nós terráqueos começa com as leis da física e nelas se baseia. Quando aplicamos essas leis a cenários astronômicos, lidamos com a física escrita com letra maiúscula, a que damos o nome de astrofísica.

Em quase toda área de investigação científica, mas especialmente na física, a fronteira da descoberta reside nos extremos de nossa capacidade de medir eventos e situações. Num extremo da matéria, com a proximidade a um buraco negro, a gravidade distorce fortemente o contínuo espaço-tempo circundante. Num extremo da energia, a fusão termonuclear se sustenta dentro dos 15 milhões de graus dos núcleos das estrelas. E em todo extremo imaginável encontramos as condições escandalosamente quentes e densas que prevaleceram durante os primeiros momentos do universo. Compreender o que acontece em cada uma dessas situações requer leis da física descobertas depois de 1900, durante o período que os físicos agora chamam de era moderna, para distingui-lo da era clássica que inclui toda a física anterior.

Uma característica importante da física clássica é que eventos, leis e previsões realmente fazem sentido, quando paramos e pensamos sobre eles. Foram todos descobertos e testados em laboratórios comuns em prédios comuns. As leis da gravidade e do movimento, da eletricidade e do magnetismo, da natureza e comportamento da energia do calor são ainda ensinadas nas aulas de física da escola secundária. Essas revelações sobre o mundo natural alimentaram a revolução industrial, ela própria capaz de transformar a cultura e a sociedade de maneiras inimagináveis pelas gerações anteriores, e permanecem centrais para o que acontece – e por que razão –, no mundo da experiência de todos os dias.

Em contraste, nada faz sentido na física moderna porque tudo acontece em regimes que estão muito além daqueles a que nossos sentidos humanos reagem. Isso é bom. Podemos relatar com satisfação que nossas vidas diárias continuam totalmente desprovidas da física extrema. Numa manhã normal, você se levanta da cama, anda a esmo pela casa, come alguma coisa, depois sai precipitadamente pela porta da frente. Ao final do dia, seus queridos esperam do fundo do coração que você não pareça diferente do que aparentava ao sair, e que retorne para casa inteiro. Mas imagine-se chegando ao escritório, entrando numa sala de conferência superaquecida para uma reunião importante às 10 horas da manhã, e de repente perdendo todos os seus elétrons – ou pior ainda, tendo cada átomo de seu corpo a voar em pedaços para todos os lados. Isso seria ruim. Suponha, em vez disso, que está sentado no seu escritório tentando acabar algum trabalho à luz da sua lâmpada de 75 watts na escrivaninha, quando alguém ativa 500 watts nas lâmpadas do teto, levando seu corpo a ricochetear aleatoriamente de uma parede a outra até ser arremessado pela janela como o boneco de uma caixa de surpresas. Ou, e se você vai a uma luta de sumô depois do trabalho, só para ver os dois cavalheiros quase esféricos colidirem, desaparecerem e depois espontaneamente transformarem-se em dois raios de luz que deixam a sala em direções opostas? Ou suponha que a caminho de casa você siga por uma estrada menos trilhada, e um edifício escurecido o sugue, os pés primeiro, estirando seu corpo da cabeça aos pés, enquanto o espreme de ombro a ombro a fim de que seja expelido por um buraco, para nunca mais ser visto ou escutado.

Se essas cenas se passassem em nossas vidas diárias, acharíamos a física moderna muito menos bizarra; nosso conhecimento dos fundamentos da relatividade e da mecânica quântica fluiria naturalmente de nossas experiências de vida; e nossos queridos provavelmente nunca nos deixariam ir trabalhar. Mas, lá nos primeiros minutos do universo, esse tipo de coisa acontecia o tempo todo.

(Neil deGrasse Tyson. Origens: catorze bilhões de anos de evolução cósmica. São Paulo: Planeta do Brasil, 2015.)

Assinale a alternativa em que o trecho sublinhado expressa ideia de finalidade.
A
Por isso, tudo o que é fundamental e familiar a nós terráqueos
B
Num extremo da matéria, com a proximidade a um buraco negro
C
para distingui-lo da era clássica que inclui toda a física anterior.
D
tendo cada átomo de seu corpo a voar em pedaços para todos os lados
E
não pareça diferente do que aparentava ao sair, e que retorne para casa inteiro.