Texto I

DO COMPLEXO DE VIRA-LATAS AO ORGULHO “DE SER BRASILEIRO”
Poucos meses após a Copa do Mundo de 1950, Getúlio Vargas voltou ao poder. Desta vez através do voto, já que venceu as eleições presidenciais para suceder Dutra. Ao longo de um mandato turbulento e sentindo-se pressionado por setores políticos, militares e empresariais, se suicidou no dia 24 de agosto de 1954 e seu mandato foi completado pelo vice Café Filho. Em 1955 Juscelino Kubitschek seria eleito presidente com o lema “cinquenta anos em cinco”, prometendo um ambicioso plano de governo que modernizaria o Brasil e aumentaria a autoestima social do povo.
A derrota em 1950 também criou algumas superstições entre os brasileiros. Uma delas era evitar que goleiros negros defendessem a meta da seleção, pois não aguentariam a pressão. O negro Barbosa foi um dos crucificados pelo maracanazo e como pertencia a um grupo historicamente discriminado acabou transferindo esta culpa para os demais arqueiros negros. Outra crendice foi trocar a cor da camisa da seleção, já que o branco dava azar. Após um concurso para a escolha do novo uniforme em 1953 nasceu a mítica camisa amarela com golas verdes.
Apelidada de canarinho, a camisa amarela disputou sua primeira Copa do Mundo em 1954, na Suíça. Porém, quis o destino que a seleção brasileira encarasse nas quartas de final o então melhor time do mundo da época: a Hungria de Ferenc Puskas. Foi um jogo disputado e os húngaros levaram a melhor por 4 a 2. Após a partida aconteceu uma briga homérica nos vestiários envolvendo jogadores, jornalistas, árbitros e dirigentes. A confusão entrou para a história com o nome de “Batalha de Berna”. No regresso do time ao Brasil, novamente pairou no ar uma sensação de inferioridade. Esse constante sentimento de inferioridade acabou sendo definido como “complexo de vira-latas” pelo jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues em sua coluna na revista Manchete Esportiva no dia 31 de maio de 1958:
Por complexo de vira-latas entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todos os setores e, sobretudo no futebol. [...] Eu vos digo: - o problema do escrete não é mais futebol, nem de técnica, nem de tática. Absolutamente. É um problema de fé em si mesmo. Através desta expressão, Nelson Rodrigues criticava o fato de o brasileiro ser excessivamente negativo e de nunca acreditar em si mesmo. O texto foi escrito uma semana antes do início da Copa do Mundo, mas apesar do tom crítico, tinha fé na seleção brasileira e acreditava que o time poderia ser campeão mundial na Suécia, mesmo com o fantasma do maracanazo ainda presente no imaginário popular. A expressão “complexo de vira-latas” foi tão marcante que é citada até os dias de hoje. Ao mesmo tempo em que o brasileiro nutria um sentimento de inferioridade perante o mundo, havia uma sensação de esperança no ar. O país passava por um momento de euforia graças a abertura da economia para o capital externo e o crescimento econômico proposto pelo ambicioso Plano de Metas do governo de JK, que tinha na expansão industrial seu alicerce de crescimento. O entusiasmo pela modernidade refletia-se também na construção da nova capital federal, a longínqua Brasília, incrustada no meio do território nacional e dotada de uma arquitetura modernista idealizada por Oscar Niemeyer e Lúcio Costa. Era também época da Bossa Nova, que conquistava jovens e o mundo com canções de Tom Jobim, Vinícius de Moraes e companhia sendo sucesso em paradas internacionais.
Faltava apenas a glória no futebol para completar esse sentimento de brasilidade. Atento aos acontecimentos e ciente de que o futebol brasileiro poderia enfim sagrar-se campeão do mundo em 1958, JK sabia que a conquista da Taça Jules Rimet poderia ser mais um fator positivo para o país e consequentemente para seu governo. Talvez o seu grande trunfo. Assim, ele buscou aproximar-se da modalidade e de seus ídolos: [...] mesmo antes da Copa, estando sempre presente à tribuna de honra do Maracanã em jogos internacionais, imagem posteriormente reforçada pelas fotos tiradas ao pé do rádio, durante a Copa de 1958, e nos convites feitos ao pai de Garrincha, à noiva do jogador Vavá e à esposa de Didi pra ouvirem, em sua companhia, no Palácio do Catete, as transmissões dos jogos do Brasil.
O título mundial, que viria a se confirmar em 1958, ajudou o presidente em termos de popularidade. Afinal para muitos a aura de euforia de seu governo só começou de fato após a conquista da Copa do Mundo.
(Guilherme Silva e Luiz Gonzaga. O processo de transformação do futebol como elemento da identidade nacional brasileira. O negro no futebol brasileiro. FuLiA/UFMG)
Texto II
País do futebol (Mc Guimê Feat Emicida)
No flow
Por onde a gente passa é show, fechou
E olha onde a gente chegou
Eu sou, país do futebol, negô
Até gringo sambou
Tocou Neymar é gol, eae
Ó minha pátria amada, idolatrada
Um salve à nossa nação
E através dessa canção
Hoje posso fazer minha declaração
Entre house de boy, beco e vielas
Jogando bola dentro da favela
Pro menor não tem coisa melhor
E a menina que sonha em ser uma atriz de novela
A rua é nossa e eu sempre fui dela
Desde descalço, gastando canela
Hoje no asfalto de toda São Paulo
De nave do ano, tô na passarela
Na chuva, no frio, no calor
No samba, no rap e tambor
Ergo as mãos pro céu igual ao meu redentor
Agradeço ao nosso Senhor
(...)
Poeira no boot, é cinza, Kichute
Campão, barro na canela
Maloqueiro, fut, talento
É arte de chão, ouro de favela
Imaginei, pique Boy do Charmes
Voltei, estilo Charles Dow
Pra fazer a quebrada cantar
Memo, é tipo MC Lon
Eu vim pelas taça, pois, raça
Foi quase em dois palito
Ontem foi choro, hoje tesouro
E o coro grita: tá bonito
Eu sou Zona Norte, fundão
Swing de vagabundo
Dos que venceu a desnutrição
E hoje vai dominar o mundo
Texto III
As discussões sobre o universo do futebol como importante elemento cultural da nossa sociedade parece não ter fim nos dias atuais, mesmo que já há algumas décadas tal temática seja discutida permanentemente no meio jornalístico, acadêmico e nas mesas de bares em diferentes locais do mundo.
Independente das polêmicas momentâneas dentro e fora do campo, das posições pessoais relativas ao papel exercido pelo esporte na esfera social, é imprescindível reconhecer que o futebol é um elemento importante para a compreensão das diferentes realidades sociais, visto os variados olhares possíveis a partir do universo futebolístico, sendo que alguns deles foram apresentados no presente trabalho.
Notou-se que o ato de torcer por um clube acaba por gerar uma situação de pertencimento a este por parte do torcedor, tendo como “pano de fundo” a existência de vínculos emocionais e afetivos. Tal realidade apareceria porque o pertencimento clubístico acaba por denotar uma identidade onde a principal característica é necessidade de uma fidelidade permanente.
Dada a presença cotidiana na vida dos brasileiros em diferentes espaços sociais (família, escola, vizinhança e mídia, etc.), o esporte acaba por gerar uma necessidade por parte da maioria em escolher um “clube do coração”, ao qual se determinará um vínculo exclusivo e imutável por parte do novo torcedor. Assim, será reforçado permanentemente o público fiel ao futebol e a sua própria popularidade que vai passar de geração para geração.
Com a adesão ao clube, tendo como base o pertencer e o torcer, o indivíduo logo terá uma vida social que se relacionará a agremiação, pertencendo então a uma comunidade de sentimento em que, pelo fato de pertencer a “A”, deve automaticamente rejeitar “B”, ou seja, o clube rival ao seu.
Também será importante a criação de vínculos por parte do torcedor para representar afetivamente este novo laço com o seu clube. É desta forma que os símbolos de representação do patrimônio do clube serão os elementos que sinalizarão a identidade entre a torcida e o seu clube nos mais diferentes lugares.
O patrimônio do clube constitui-se, então, em objetos simbólicos que o torcedor irá sempre respeitar e defender independente das situações momentâneas. Constituem-se elementos patrimoniais de um clube de futebol a sua sede, a sua história, a sua camiseta, o seu hino e o seu estádio, dentre outros.
Em linhas finais, percebeu-se que o futebol no Brasil acabou por se tornar o seu esporte mais popular independente de classe social, com representação expressiva na cultura e cotidiano nacional, sempre permeada por ações, hábitos e sentimentos que denotam o universo futebolístico, tanto no que se refere aos clubes ou a seleção.
(Revista Brasileira do Esporte Coletivo. Ano 3. Volume 3. 2019. 2019)
Texto IV

Ao analisarmos os textos dessa avaliação em perspectiva comparativa, é correto afirmar que