Texto I
Antes do confinamento os especialistas já tinham alertado sobre o preocupante aumento do uso de tecnologias nas meninas, meninos e adolescentes.
Manuel Bruscas, vice-presidente da área de produto do Qustodio, um aplicativo de controle parental usado por mais de 50.000 famílias na Espanha, explica que em fevereiro já havia um uso médio de duas horas por dia por parte de crianças entre 4 e 15 anos, de acordo com dados de uso dos usuários do aplicativo. E que em alguns aplicativos como o YouTube passou de 39 minutos por dia em 2019 para mais de 63 exatamente antes do confinamento, e que se tornaram 75 minutos em 30 de abril. “O uso das tecnologias aumentou 180% e será difícil recuperar os números iniciais. Muitas crianças notarão que lhes falta algo, as relações são construídas com olhares, com empatia, com relação física e isso a tela não te dá, então é aí que devemos provocar o processo de desconexão”, explica Bruscas.
Mas o fato de que as tecnologias sejam usadas mais do que antes ou que crianças e adolescentes relutem em largar a tela não significa que sejam viciados. O psicólogo Garicoitz Mendigutxia, diretor do programa Suspertu, para a prevenção de dependências do Projeto Hombre Navarra, acredita que com a volta do contato social diminuirão esses hábitos, que considera “conjunturais”. Em seu projeto, as meninas, os meninos e os adolescentes que eram atendidos antes do confinamento por esses usos conflitivos representavam apenas 10% do total de pacientes. “E não detectamos uma mudança alarmante de comportamento por causa desses processos”, explica.
Também esclarece que, para que seja considerada uma dependência, ou melhor, um “uso conflitivo das tecnologias”, estas devem lhes subtrair tempo e inclusive dinheiro de outras atividades da vida. “Deve haver situações de isolamento social, afetando sua dinâmica de vida ―por exemplo, que a família não possa sair para jantar porque o filho prefere ficar conectado―, só se relacionam com as redes ou têm problemas e conflitos familiares ou porque ficam conectados até as quatro da manhã e isso afeta o desempenho escolar”, explica o psicólogo. Se não for esse o caso, o plano de ação será mais fácil que funcione se também forem acrescentadas quatro palavras: tenacidade, perseverança, limites e alternativas.
Educadores, psicólogos e especialistas em dependência concordam que esses hábitos saudáveis devem começar quando as crianças são muito pequenas e começam a ter acesso às telas: é preciso sentar para conversar com elas e estabelecer os limites de uso tanto de tempos e horários quanto de espaços. “É um relaxo deixá-lo diante da tela quando é pequeno e vamos a um restaurante, mas é preciso pensar duas vezes porque isso terá consequências”, aponta o psicólogo, que é a favor de que meninos, meninas e adolescentes passem a maior parte do dia sem telas. Os gurus de Silicon Valey, por exemplo, educam sem telas porque sabem que é melhor para um crescimento saudável. “Assim como educamos na alimentação e no consumo, devemos educar digitalmente nossos filhos”, diz Manuel Bruscas, do Qustodio.
“É preciso sentar para explicar-lhes as normas e por que devem ser seguidas. Se você fizer com que participem, sentirão que fazem parte do processo e entenderão o motivo, serão muito mais colaborativos. Eles seguem as regras perfeitamente se as entenderem”, explica Mendigutxia.
María Guerrero acredita que é preciso recorrer a argumentos científicos e explicar-lhes que as telas podem prejudicar a saúde. Os especialistas em visão alertaram para um agravamento da saúde visual em grande escala durante o confinamento e a Fundação Pau Gasol afirma que a Espanha é a líder europeia em obesidade infantil. O excesso de telas gera estresse, irritabilidade, isolamento e depressão... “Com crianças não vale qualquer argumento, elas precisam de dados concretos e claros para colaborar”, explica Guerrero. E ressalta: “Proibir é inútil, porque terão de usar a Internet para estudar, manter contato com os colegas... E quando proibimos totalmente algo impedimos que nossos filhos aprendam a estabelecer uma relação saudável e isso gera problemas mais graves a longo prazo, porque acaba se tornando um objeto de grande desejo”.
(Disponível em <https://brasil.elpais.com/sociedade/2020-07-18/desligue-a-crianca-adesconexao-digital-em-cinco-etapas.html> Acesso em 23 ago. 2020)
A palavra “parental”, encontrada no segundo parágrafo, é formada por