Texto I
A pós-mentira
Em 2016, o Dicionário Oxford elegeu “pós-verdade” como a palavra do ano. Nunca se mentiu tanto, sobre tudo. As fake news infestaram o mundo por um motivo simples: elas funcionam. “As pessoas se identificam com aquela informação, mesmo sem fundamento. É quase uma torcida”, diz Diogo Rais, professor da Universidade Mackenzie e fundador do Instituto Liberdade Digital. A pandemia vem tendo seu quinhão de notícias falsas, mas há sinais de que a onda está começando a virar. As redes sociais deram o primeiro passo. Em março, Twitter, Facebook e Instagram excluíram posts que continham mentiras sobre o coronavírus –incluindo mensagens publicadas por chefes de Estado, como os presidentes Jair Bolsonaro e Nicolás Maduro, e o ex-prefeito de Nova York, Rudolph Giuliani. Essa censura das redes sociais, mesmo com intenção protetiva, abre um precedente arriscado. “Como sociedade, aceitamos esse controle, dada a gravidade da situação. Mas pode ser um caminho sem volta”, diz Pablo Ortellado, professor de gestão pública da USP. Também há outro fator envolvido: uma certa “pressão evolutiva”. Os indivíduos que acreditarem em mentiras, e não se protegerem contra o SARS-CoV-2, correrão maior risco de ter Covid-19 –e os sintomas pesados da doença poderão forçá-los a aceitar, na própria pele, as verdades científicas
A primazia da ciência, por sinal, deverá ser outro eixo do mundo pós-coronavírus. Em condições normais, uma decisão ou política equivocada pode levar décadas até mostrar seu efeito negativo. Agora, não é assim: a conta chega rápido, e pode ser altíssima. “A crise pode representar uma derrota a quem se coloca como antagonista da ciência e das universidades”, diz Ortellado.
Essa mudança poderá reduzir outro elemento central da última década: a polarização ideológica. É o que acredita o psicólogo Peter Coleman, professor da Universidade Columbia e especialista em resolução de conflitos. Ele se baseia em duas premissas. A primeira é histórica: pela primeira vez em cem anos, desde a gripe espanhola, a humanidade tem um inimigo comum –o coronavírus, contra o qual todos são iguais. A outra é estatística: números mostram que eventos graves tendem a unir os povos.Uma análise feita pela Universidade de Michigan, que analisou 850 conflitos políticos ocorridos entre 1816 e 1992, constatou que 75% acabaram após o surgimento de um grande choque. Coleman cita como exemplo a política americana após a Primeira Guerra Mundial (1918), que estabeleceu uma convivência mais pacífica entre democratas e republicanos até 1980.
As eleições vão mudar, até na forma: a médio prazo, têm grande chance de acontecer online. Eleições pela internet exigiriam um período maior devotação, de uma semana ou até um mês: é a única forma de evitar que falta de energia elétrica, congestionamentos na rede (eleições online não são como votação do Big Brother, demandam sistemas parrudos de segurança) ou outros problemas técnicos impeçam as pessoas de participar. Votar sem sair de casa poderia banalizar as eleições e gerar polêmica, já que não há como recontar os votos. A solução pode estar em tecnologias como o Blockchain, um banco de dados praticamente impossível de fraudar. Elejá foi usado para que militares americanos que estavam fora dos EUA votassem nas eleições de 2018. A Estônia, um pequeno país do Leste Europeu, adota o voto online desde 2007. No Brasil, o primeiro passo nessa direção veio do Congresso Nacional, quetem votado remotamente durante a pandemia. Nossos deputados e senadores estão em home office.
Eles mais seis em cada dez brasileiros. Essa é a massa que estava trabalhando de casa em março, de acordo com a empresa de monitoramento Hibou. E muitos continuarão assim. Em 2019, 45% das empresas já permitiam alguma espécie de home office, segundo a Sociedade Brasileira de Teletrabalho. Mas isso era visto como um privilégio. “Agora, passará a ser considerado um modelo de trabalho”, diz Leonardo Berto,da consultoria de RH Robert Half. As empresas irão repensar a necessidade de manter escritórios grandes e caros –o que deve diminuir o trânsito, a poluição e o consumo de energia. Mas o trabalho não será totalmente remoto. Encontros e feiras de negócios terão ainda mais força. “Serão oportunidades para a criação das redes de relacionamento, algo que o mundo virtual não oferece da mesma maneira”, afirma Berto.
Vamos sair da pandemia machucados, mas também evoluídos. E o período de isolamento extremo, paradoxalmente, pode acabar tendo o efeito contrário: reforçar a comunhão social. Foi o que aconteceu na China, primeiro país a conter a crise. Em 4 de abril, primeiro dia sem quarentena, multidões lotaram os parques, pontos turísticos e espaços públicos das cidades. As pessoas estavam desesperadas para sair de casa. Mas também celebrar, numa apoteose coletiva, o único desfecho aceitável: a vitória da humanidade sobre o vírus.
Vários autores. Revista Superinteressante -Maio 2020 (p. 26 -28). Edição do Kindle
Observe os três enunciados a seguir, todos retirados do texto I:
I.“A crise pode representar uma derrota a quem se coloca como antagonista da ciência e das universidades”, diz Ortellado.
II.“Como sociedade, aceitamos esse controle, dada a gravidade da situação. Mas pode ser um caminho sem volta”, diz Pablo Ortellado, professor de gestão pública da USP.
III.(eleições online não são como votação do Big Brother, demandam sistemas parrudos de segurança)
Nas três aparições do conectivo “como”, há, respectivamente, classificação de