Texto 2
Quando desembarquei do avião, ele me esperava com um pedaço de cartão no que estava escrito meu nome. Eu ia a uma conferência de cientistas e comentaristas de televisão dedicada a aparentemente impossível tarefa de melhorar a apresentação da ciência na televisão comercial. Amavelmente, os organizadores me tinham enviado um motorista.
—Incomoda-lhe que lhe faça uma pergunta? —disse-me enquanto esperávamos a mala.
Não, não me incomodava.
—Não é uma confusão ter o mesmo nome que aquele cientista?
Demorei um momento em compreendê-lo. Estava-me tirando sarro? Finalmente o entendi.
—Eu sou aquele cientista —respondi. Calou um momento e em seguida sorriu.
(...)
Enquanto nos instalávamos no carro para empreender o comprido percorrido, com os limpador de para - brisas funcionando ritmicamente, disse-me que se alegrava de que eu fora “aquele cientista” porque tinha muitas perguntas sobre ciência. Incomodava-me?
Não, não me incomodava.
E nos pusemos a falar. Mas não de ciência. Ele queria falar dos extraterrestres congelados que adoeciam em uma base das Forças Aéreas perto do San Antonio, de “canalização” (uma maneira de ouvir o que há na mente dos mortos... que não é muito, pelo visto), de cristais, das profecias do Nostradamus, de astrologia, do sudário do Turim... Apresentava cada um destes prodigiosos temas com um entusiasmo cheio de otimismo. Eu me via obrigado a lhe decepcionar cada vez.
—A prova é insustentável —lhe repetia uma e outra vez—. Há uma explicação muito mais simples.
Em certo modo era um homem bastante lido. Conhecia os distintos matizes especulativos, por exemplo, sobre os “continentes fundos” da Atlântida e Lemúria. Sabia-se muito bem quais eram as expedições submarinas previstas para encontrar as colunas quedas e os minaretes quebrados de uma civilização antigamente grande c ujos restos agora só eram visitados por peixes luminescentes de alto mar e gigantescos monstros marinhos. Só que... Embora o oceano guarde muitos segredos, eu sabia que não há a mais mínima base oceanográfica ou geofísica para deduzir a existência da Atlântida e Lemúria. Por isso sabe a ciência até este momento, não existiram jamais. A estas alturas, o disse a contra gosto.
Enquanto viajávamos sob a chuva me dava conta de que o homem estava cada vez mais taciturno. Com o que eu lhe dizia não só descartava uma doutrina falsa, mas também eliminava uma faceta preciosa de sua vida interior. E, entretanto, há tantas coisas na ciência real, igualmente excitantes e mais misteriosas, que apresentam um desafio intelectual maior... além de estar muito mais perto da verdade. Sabia algo das moléculas da vida que se encontram no frio e tênue gás entre as estrelas? Tinha ouvido falar dos rastros de nossos antepassados encontrados em cinza vulcânica de quatro milhões de anos de antiguidade? E da elevação do Himalaia quando a Índia se chocou com a Ásia? Ou de como os vírus, construídos como seringas hipodérmicas, deslizam seu DNA além das defesas do organismo do anfitrião e subvertem a maquinaria reprodutora das células; ou da busca por rádio de inteligência extraterrestre; ou da recém descoberta civilização da Ebla, que anunciava as virtudes da cerveja da Ebla? Não, não tinha ouvido nada de todo aquilo. Tampouco sabia nada, nem sequer vagamente, da indeterminação quântica, e só reconhecia o DNA como três letras maiúsculas que apareciam juntas com frequência.
O senhor “Buckley” —que sabia falar, era inteligente e curioso— não tinha ouvido virtualmente nada de ciência moderna. Tinha um interesse natural nas maravilhas do universo. Queria saber de ciência, mas toda a ciência tinha sido expurgada antes de chegar a ele. A este homem tinha falhado nossos recursos culturais, nosso sistema educativo, nossos meios de comunicação. O que a sociedade permitia que se filtrasse eram principalmente aparências e confusão. Nunca lhe tinham ensinado a distinguir a ciência real da áspera imitação. Não sabia nada do funcionamento da ciência.
(SAGAN, C. O mundo assombrado pelos demônios. Companhia de Bolso: São Paulo, 2006, p. 17 e 18.)
De acordo com o texto, é incorreto afirmar que