Texto 1
Se de médico e louco todo mundo tem um pouco, de psicanalista e palhaço todo mundo tem um pedaço.
Um lado, associado ao psicanalista, de bom ouvinte, inteligente e conselheiro e o outro, mais bocó e amigo, que costuma aparecer inesperadamente fazendo rir sem que se saiba direito por quê.
Este livro resulta do encontro entre esses dois lados disparatados de olhar para o mesmo problema: como escutar os outros? Depois do encontro na Carandá Vivavida e na Casa do Saber, passamos a nos encontrar periodicamente, sem margaritas, mas com algumas garrafas de vinho. Reconfirmamos a ideia inicial de que a parte do psicanalista no palhaço e a parte palhaço do psicanalista têm em comum praticar a escuta como uma espécie de brincadeira séria que transforma as pessoas. É isso que chamamos de escuta lúdica, que consideramos como uma antessala para a escuta empática. Apoiamos nisso nossas pesquisas ao longo de anos de convivência e encontros com pais, alunos, empresários, pacientes e público, de teatro de rua e psicanalítico em geral. Somos ambos escutadores profissionais.
Escuta é nosso ganha-pão cotidiano. Nossas trajetórias nos tornaram faladores, palestrantes e escritores, mas a arte comum que praticamos é muito mais a da escuta. A escuta das pessoas em seus mundos, em meio à alegria e miséria, passando do sofrimento para a capacidade de mudar o mundo e a nós mesmos. Freud, pai da psicanálise, dizia que ela é a arte de transformar o sofrimento neurótico em miséria ordinária; e um bobo da corte, pai de todos os palhaços, poderia dizer que a arte do palhaço é transformar a miséria ordinária em preciosa experiência de vida.
Escutar com qualidade é algo que se aprende. Depende de alguma técnica e exercício, mas também, e principalmente, de abertura e experimentação. É uma arte difícil de dominar porque seus efeitos visíveis acontecem no outro em tempo real e segundo as leis do improviso: o riso, a metamorfose do humor, a mudança de atitude com relação a si mesmo, ao mundo e aos outros. O escutador está interessado em produzir esses efeitos no outro, no nosso caso, analisantes em particular e o público em geral. Certa vez, perguntei ao meu filho de 9 anos o que ele queria ser quando crescer e ele me disse que queria criar uma escola para ensinar as pessoas a contar piada e a encontrar graça na escola. De fato, na escola não se ensina como modular o humor, como criar alterações nos estados de espírito ou o que Freud chamava de técnica do chiste. São Tomás de Aquino disse que, se você quer entender o que são metáforas e alegorias, não procure nos livros, vá a uma feira livre. É, portanto, ouvindo as pessoas no mercado, com suas vozes e confusões criativas, assim como pela observação de como as pessoas contam piadas, que aprendemos a escutar o outro.
DUNKER, Christian. O palhaço e o psicanalista: como escutar os outros pode transformar vidas. - São Paulo: Planeta do Brasil, 2019.
No primeiro parágrafo do texto, ainda que não de forma clara, o autor estabelece uma relação