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Conceição Evaristo: ‘minha escrita é contaminada pela condição de mulher negra’
Em entrevista ao ‘Nexo’, escritora fala sobre memória, vivência, escrita e os avanços e lutas do movimento negro
A escritora Conceição Evaristo é protagonista de uma trajetória ímpar no contexto da história da literatura nacional. Nascida em 1946, em uma favela de Belo Horizonte, em Minas Gerais, cresceu cercada pela oralidade das histórias narradas pelos familiares e, assim que teve acesso aos livros em uma biblioteca pública da cidade, tornou-se leitora voraz.
Evaristo se mudou para o Rio de Janeiro ao concluir o curso normal, aos 25 anos. Lá, foi aprovada em um concurso público e começou a dar aulas. Ao mesmo tempo, cursava letras na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
É mestre em literatura brasileira pela PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) e doutora em literatura comparada pela UFF (Universidade Federal Fluminense). Começou a publicar em 1990, na série “Cadernos Negros” e é autora de poesia, contos, romances e ficção memorialista. Seu primeiro romance publicado é “Ponciá Vicêncio”, lançado em 2003, que narra a história de uma mulher negra nascida na roça que migra para a cidade buscando uma vida melhor, mas só encontra o vazio e a saudade dos seus.
O ano de 2017 marca o reconhecimento mais amplo da autora: ela é homenageada por uma exposição no Itaú Cultural, em São Paulo, a “Ocupação Conceição Evaristo”, de 4 de maio a 18 de junho. Também participará, em julho, da Flip, a Festa Literária Internacional de Paraty. Além disso, terá alguns de seus livros reeditados: “Becos da Memória” e “Ponciá Vicêncio”, pela editora Pallas, e “Insubmissas Lágrimas de Mulheres”, pela editora Malê.
“Estou muito contente com essa visibilidade que estou tendo, muito feliz com a exposição. Mas, de certa forma, estou representando uma exceção como autora negra”, disse a escritora por telefone ao Nexo. “Neste momento de celebração das exceções, a gente não pode esquecer a crueldade da regra. Que regra é essa da sociedade brasileira em que contamos nos dedos as mulheres negras que saem da posição de subalternidade em que somos colocadas?”.
Abaixo, Evaristo fala sobre sua obra, os avanços do movimento negro e o lugar da literatura e da autoria negra na preservação da memória negra, da construção de um novo cânone literário e do expurgo de um passado de escravidão.
Houve um evento determinante que te levou a fazer literatura?
CONCEIÇÃO EVARISTO Não houve um evento. Eu sempre gostei muito de ler e sempre tive esse desejo de me aprofundar nos estudos literários. Quando vim para o Rio de Janeiro, em 1973, como professora de primeira a quarta [séries, atualmente do segundo ao quinto ano do ensino fundamental] e decidi fazer uma faculdade, o que estava mais próximo do meu gosto era a literatura.
Esse gosto pelos livros começou na infância?
CONCEIÇÃO EVARISTO Começou. É interessante porque ele começa numa ambiência familiar em que mães, tias e todo o entorno eram pessoas não letradas. Pessoas de uma experiência e de uma cultura muito grandes na área da oralidade, mas que ao mesmo tempo tinham uma sedução muito grande pela leitura. Meu primeiro contato com a literatura se dá através da cultura oral. Toda minha sensibilidade, minha curiosidade para tecer esse escrito, nasce fomentada na linguagem oral.
O que essa oralidade traz para sua literatura?
CONCEIÇÃO EVARISTO Traz uma marca bem peculiar. Quando estou escrevendo, tenho ampla consciência de que estou trabalhando com a arte da palavra. Mas eu quero trabalhá-la de modo que ela me aproxime e traduza essa primeira experiência minha, que foi justamente com a arte da palavra oral. Minha mãe contava muitas histórias, minhas tias também. Eu gosto de introduzir nos meus textos, por exemplo, expressões de origem bantu. Minas Gerais é muito marcada por essa cultura. Gosto de introduzir palavras do português arcaico que as pessoas mais velhas ainda usavam. Eu gosto de ler o texto em voz alta para perceber a musicalidade do meu texto, que é muito própria da linguagem oral.
(Disponível em: nexojornal.com.br. Fragmento.)
Assinale, a seguir, trecho do texto em que há utilização de um pronome.