Texto 1
A infodemia ameaça mais do que o Coronavírus
Carlos Castilho
O inevitável acabou acontecendo. O covid-19, mais conhecido como novo coronavírus, chegou ao Brasil e agora temos diante de nós duas responsabilidades igualmente importantes: mobilizar os recursos médicos e científicos para atender às pessoas contaminadas e desenvolver procedimentos capazes de minimizar a consequência potencialmente mais letal da enfermidade, a irracionalidade do medo coletivo.
A terapia mais eficiente contra o pânico social é a informação, antídoto das condutas irracionais alimentadas pelo desconhecimento. Mas é também o mais complexo de todos os medicamentos disponíveis no combate ao covid19. Até agora, as autoridades de saúde vêm pedindo que as pessoas evitem o contágio do medo, mas nenhuma estratégia consistente de comunicação foi desenvolvida para evitar o que já foi apelidado de infovírus.
O problema é complexo porque mexe tanto com o lado racional quanto com o irracional das pessoas colocadas diante de uma ameaça de contágio pelo covid-19. Todos nós temos o instinto natural da autodefesa, mas isso varia de pessoa para pessoa dependendo do seu nível cultural, grau de conhecimentos e do tipo de acesso à informação, para citar apenas os itens mais comuns em matéria de formação de opinião pública.
A disseminação de boatos e notícias falsas pelas redes sociais aumentou de tal maneira que empresas como Facebook, Twitter, YouTube, Tik Tok e Tencent montaram grupos de crise para lidar com a contaminação do pânico. A situação atingiu limites críticos na província chinesa de Hubei, onde está localizada a cidade de Wuhan, o epicentro da epidemia. Em cidades inteiras submetidas à quarentena doméstica, seus habitantes passaram a usar as redes sociais obsessivamente, o que facilitou a disseminação de boatos, do medo e de atitudes discriminatórias.
A epidemia, que já configura uma pandemia (disseminação generalizada pelo mundo), é o primeiro caso concreto em que a sociedade planetária globalizada é obrigada a lidar com uma enfermidade cujo combate depende tanto da informação, justo num momento em que nós ainda não sabemos como lidar com ela no dia a dia.
Como enfermidade, o coronavírus não é mais letal que outras epidemias recentes causadas por vírus, como foi o caso da Síndrome Respiratória Aguda (sars) e da zika. A epidemia surgida no interior da China passou a ser temida mundialmente porque contaminou a disseminação de informações num mundo digitalmente interconectado, algo absolutamente inédito na história da humanidade.
Boatos mais velozes que o vírus
Até agora, estávamos acostumados a combater epidemias usando apenas médicos, enfermeiras, remédios e hospitais, mas a revolução tecnológica, a globalização social e a explosão demográfica criaram uma situação inteiramente nova que está pondo à prova nossa capacidade de adaptação à nova realidade.
A ciência moderna pode encontrar uma vacina contra o coronavírus com relativa rapidez. Não faltam conhecimentos, dinheiro e equipamentos de pesquisa. Além disso, cientistas australianos já desenvolveram um aplicativo apoiado em robôs eletrônicos que consegue detectar rapidamente o surgimento de uma epidemia usando como base mensagens no Twitter trocadas entre doentes, médicos e hospitais. Seriam fatores capazes de gerar tranquilidade, mas o que se nota é um aumento acelerado das condutas irracionais alimentadas pelo medo, mostrando que o contágio do pânico é muito mais veloz do que a transmissão física do vírus.
Essa disparidade entre informação e desinformação está na origem da primeira grande infodemia da nova era digital. Para combatê-la, não bastam vacinas e hospitais. É essencial um recurso altamente escasso no mundo inteiro e que ainda é pouquíssimo estudado: como lidar com a informação em situações críticas, onde as pessoas são confrontadas com o desconhecimento?
Durante mais de um século, fomos instruídos pela imprensa comercial a esperar dela a solução para a grande maioria de nossos problemas. “Vocês pedem, nós investigamos e publicamos as soluções” foi o mantra tradicional dos conglomerados midiáticos, incorporado pela maioria dos jornalistas profissionais. Hoje, a situação mudou radicalmente. A imprensa está em crise, não pode mais responder a todas as demandas da sociedade e nós ainda não conseguimos resolver por nossa conta os dilemas criados pela avalanche de informações criadas pela internet.
Estamos sendo contaminados pela infodemia do coronavírus sem ter o preparo suficiente para lidar com o contágio do medo. Apenas uma elite de pesquisadores da comunicação tem consciência do papel crítico que a informação passou a ter em todos os mecanismos sociais contemporâneos. Em algumas áreas, como a política, o fenômeno das fake news conseguiu incorporar ao vocabulário cotidiano uma preocupação que é compartilhada por cada vez mais pessoas. Nas redes sociais, também há bolsões de conscientização das consequências de notícias falsas, boatos e rumores.
A pandemia do coronavírus pode criar uma situação crítica em matéria de informação sobre como lidar com a nossa saúde. Estamos sendo obrigados a reconhecer que nosso bem estar não depende mais apenas de remédios e tratamentos. Depende também, e muito, do tipo de informação que temos e sobre a qual baseamos nossas decisões. Os cientistas podem até descobrir a cura do coronavírus, mas se o contágio do medo for mais rápido, o esforço dos pesquisadores será incapaz de salvar a vida de todos os infectados física e informativamente.
Disponível em <http://www.observatoriodaimprensa.com.br/desinformacao/a-infodemiaameaca-mais-do-que-o-coronavirus/> Acesso em 09 mar. 2020.
Texto 2
“Ainda pior que a convicção do não, e a incerteza do talvez, é a desilusão de um quase.” Assim começa “Quase”, texto que há mais de uma década circula na internet como se fosse de Luis Fernando Verissimo. Um leitor mais íntimo da obra do escritor, no entanto, saberia que não estão ali as suas marcas de autoria.
O fenômeno não é novo. Desde que a literatura é literatura – e até antes disso –, o mundo sempre esteve repleto de textos falsamente atribuídos a um autor, geralmente famoso. Livros, campanhas publicitárias, discursos de políticos ajudaram a perpetuar alguns erros. Até as redações do Enem estão impregnadas de citações improcedentes.
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Quando se trata de apócrifos, a web brasileira tem seus queridinhos. Além de Luis Fernando Verissimo, a lista dos mais falsificados inclui Caio Fernando Abreu, Arnaldo Jabor, Mario Quintana, Manoel de Barros, Carlos Drummond de Andrade e Clarice Lispector. A ucraniana naturalizada brasileira virou brincadeira nas redes sociais, ao ser associada a qualquer frase que os usuários julguem inteligente ou reflexiva.
Mas por que, apesar da facilidade de verificar a autoria, esses erros são tão frequentes? “Tenho a impressão que o fenômeno é um sintoma muito mais complexo do que parece. É um paradoxo: estamos falando de compartilhamento de textos literários – o que pressupõe leitores -, ao mesmo tempo, estamos falando de uma completa ausência de familiaridade com os textos e autores consagrados”, comenta Marcos Ramos, escritor e professor de Literatura.
Disponível em <https://www.agazeta.com.br/entretenimento/cultura/voce-sabe-detectar-umafake-news-literaria-0220> Acesso em 09 mar. 2020.
Essa disparidade entre informação e desinformação está na origem da primeira grande infodemia da nova era digital.
Acerca dos processos de formação do vocábulo em negrito, é sabido que ele resulta da união de duas palavras, com a manutenção do radical e perda ou mudança fonética. Considerando essa afirmativa, assinale a alternativa em que todas palavras se originem do mesmo processo.