Texto 1
A conclamação para amar a teu próximo como a ti mesmo, diz Sigmund Freud, é um dos preceitos fundamentais da vida civilizada (e, de acordo com alguns, uma de suas exigências éticas fundamentais). Mas é também o que de mais antagônico pode haver com o tipo de razão que essa mesma civilização promove: a razão do interesse individual, da busca da felicidade. Seria a civilização, então, baseada numa contradição insolúvel? Assim parece; a se seguir as sugestões de Freud, chegaríamos à conclusão de que o preceito fundador da civilização só poderia ser cumprido caso se adotasse a famosa advertência de Tertuliano: credere quia absurdum (acredite porque é absurdo).
De fato, basta perguntar “Por que eu deveria fazer isso?” ou “Que bem isso me fará?” para perceber o absurdo de uma exigência de amar o próximo “como a ti mesmo” –qualquer próximo, simplesmente porque ele ou ela estão à vista e ao alcance. Se eu amar alguém, ele ou ela devem merecê-lo de algum modo. E ele o merecerá se for como eu de tantas importantes maneiras que eu possa amar a mim mesmo nele; ela o merecerá ainda mais se for tão mais perfeita que eu que eu possa amar nela o ideal de mim mesmo. “Mas se ele é um estranho para mim e não pode me atrair por nada que valha a pena nele próprio, ou por qualquer importância que já possa ter adquirido para minha vida emocional, será difícil amá-lo.”
A exigência parece ainda mais vazia e acima de tudo árdua porque muitas vezes não é possível achar evidência de que o estranho a quem supostamente amar corresponda a esse amor ou mesmo demonstre “a mais leve consideração por ele”. “Quando lhe for conveniente, ele não hesitará em me prejudicar, zombar de mim, caluniar-me e me mostrar a superioridade de seu poder.” E, assim, pergunta Freud: “Qual o sentido de um preceito enunciado com tanta solenidade se seu cumprimento não pode ser recomendado como algo razoável?” Fica-se tentado a concluir, diz ele, contra o bom senso, que “ama teu próximo” é “um mandamento na verdade justificado pelo fato de que nada mais corre tão fortemente contra a natureza original do homem”.
BAUMAN, Zygmunt. A ética possível num mundo de consumidor.
Ainda segundo Bauman, a principal dificuldade em amar o outro está no fato de que