TEXTO
Seu Caneta, essa galinha é minha.
(Arzélio Alves Ferreira)
A vida estava um osso duro. Nada para comer. O fogão já fazia oito dias que não sabia o que era calor. A fome apertava, mas eu me virava. Comia goiabinha, araçá, azedinha, pitanga, gabiroba e cajuzinho do campo. Não gostava muito dos coquinhos porque dava muita sede, e os melhores estavam lá dentro do cemitério, no coqueiro plantado, no túmulo do Seu Richardi.
A mãe cozinhava, às vezes, mandioca que o pai trazia lá da chácara do Seu Arvino, mas não cozinhava. Era dura e rija. O jeito era pescar. Peixe a gente pegava, mas e o azeite para fritar? A mãe dava um jeito. Fazia peixe ensopado com água e água, isto é, água fria e água quente.
Gente, a fome mordia e doía. Tinha época que a mandioca nem cozinhava, o campo não dava
goiabinha, pitanga e nem lagarto verde.
Um dia o Camilo falou comigo e disse:
– Zelioar, você quer ir lá em casa?
Não pensei duas vezes, aliás, com a barriga vazia não se pensa nada.
Topei e fui, só lembrando da comida e já sentindo o cheiro da sopa que sua mãe, Dona Nair, fazia.
Chegando lá, quase morri quando me empanturrei com uma sopa de feijão com macarrão e coração de boi picadinho. Dona Nair oferecia e eu repetia. Comi tanto que até dispensei o pãozinho e não aguentava ver o Seu Sebastião, barbeiro dos bons, limpar seu bigode com o miolo do pão.
E lá em casa? Nada tinha. Era o fogão apagado, coberto de cinzas frias. De fome, a cadela Pitoca no quintal nem latia, só gemia
Uma tarde, quando em casa eu chegava, depois de perambular pelo campo à procura de frutas fiquei assustado, parecia festa. A mãe, resmungando, o fogo acendia e a panela de água enchia. Eu fiquei pasmado e não compreendia tudo aquilo que via. O pai assobiava numa euforia, carregando um saco de estopa de onde de dentro uma galinha saía. Mas pouco durou essa alegria, porque, lá em casa, Dona Maria Marcolina aparecia e com ela um cabo da polícia trazia e dizia:
– SEU CANETA, ESSA GALINHA É MINHA.
(Disponível em: <<https://piancoferreira.wordpress.com/2010/06/25/seu-caneta-essa-galinha-e-minha/>>, acesso em: 10/10/2021)
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