TEXTO II
No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente. Era preto retinto e filho do medo da noite. Houve um momento em que o silêncio foi tão grande escutando o murmurejo do Uraricoera, que a índia tapanhumas pariu uma criança feia. Essa criança é que chamaram de Macunaíma.
Já na meninice fez coisas de sarapantar. De primeiro passou mais de seis anos não falando. Si o incitavam a falar exclamava: — Ai! que preguiçai...
e não dizia mais nada. Ficava no canto da maloca, trepado no jirau de paxiúba, espiando o trabalho dos outros e principalmente os dois manos que tinha, Maanape já velhinho e Jiguê na força de homem. O divertimento dele era decepar a cabeça de saúva. Vivia deitado mas si punha os olhos em dinheiro, Macunaíma dandava pra ganhar vintém. E também espertava quando a família Ia tomar banho no rio, todos juntos e nus. Passava o tempo do banho dando mergulho, e as mulheres soltavam gritos gozados por causa dos guaiamuns diz- que habitando a água-doce por lá. No mucambo si alguma cunhatã se aproximava dele pra fazer festinha, Macunaíma punha a mão nas graças dela, cunhatã se afastava. Nos machos guspia na cara. Porém respeitava os velhos e freqüentava com aplicação a murua a poracê o torê o bacorocô a cucuicogue, todas essas danças religiosas da tribo.
Quando era pra dormir trepava no macuru pequeninho sempre se esquecendo de mijar. Como a rede da mãe estava por debaixo do berço, o herói mijava quente na velha, espantando os mosquitos bem. Então adormecia sonhando palavras feias, imoralidades estrambólicas e dava patadas no ar.
Nas conversas das mulheres no pino do dia o assunto eram sempre as peraltagens do herói. As mulheres se riam muito simpatizadas, falando que "espinho que pinica, de pequeno já traz ponta", e numa pajelança Rei Nagô fez um discurso e avisou que o herói era inteligente.
(...)
(ANDRADE, Mário de. Macunaíma: O herói sem nenhum caráter. São Paulo, Ed. Círculo do Livro, 1991. Cap. I)
Glossário
Macunaíma: figura lendária da mitologia indígena, recolhida por Mário de Andrade no livro Vom Roraima zum Onnoco, de Theodor Koch-Grünberg, segundo o qual o nome Macunaíma é composto de macku (=mau) e o sufixo aumentativo -/ma (= grande).
tapanhumas: nome de origem tupi designativo dos negros filhos da África que moravam no Brasil; tribo lendária de índios brasileiros, com características de negros, sarapantar: o mesmo que espantar.
JIrau de paxiúba: estrado de varas (jirau) feito com fibras de palmeira (paxiúba).
guaiamuns (ou guaimuns): espécie de caranguejo, cunhatã: moça, adolescente.
macuru: na Amazônia, balanço feito de pano e cipó, usado como berço.
Assinale a afirmativa INCORRETA a respeito do TEXTO I.
Analise as seguintes afirmativas a respeito do 2º e do 4º parágrafos do TEXTO II, marcando (V) para verdadeira e (F) para falsa.
( ) A expressão "Já na meninice" (2º parágrafo) deve ser separada por vírgula, pois se trata de um adjunto adverbiaí deslocado.
( ) O trecho "Si o incitavam a falar exclamava" (2º parágrafo) apresenta erro de grafia e de pontuação.
( ) No período "Vivia deitado mas si punha os olhos em dinheiro, Macunaima dandava pra ganhar vintém.", (4º parágrafo) há incorreção apenas no que se refere á ortografia.
( ) Os termos a murua, a poracê, o toré, o bacorocô e a cucuicogue (4º parágrafo) exercem a mesma função sintática; portanto, devem ser separados por vírgula.
( ) No 4º parágrafo, a conjunção "e" está corretamente grafada com letra minúscula, pois, embora a inicie um novo parágrafo, está coordenando orações.
Assinale, agora, a seqüência correta.