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2022
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TEXTO I 

Dez minutos de idade 

FERNANDO SABINO 

A enfermeira surgida de uma porta me impôs silêncio com o dedo junto aos lábios e mandou-me entrar. Estava nascendo! Era um menino. 

Nem bonito nem feio; tem boca, orelhas, sexo e nariz no seu devido lugar, cinco dedos em cada mão e em cada pé. Realizou a grande temeridade de nascer, e saiu-se bem da empreitada. Já enfrentou dez minutos de vida. Ainda traz consigo, nos olhinhos esgazeados, um resto de eternidade. 

Portanto, alegremo-nos. A vida também não é bonita nem feia. Tem bocas que murmuram preces, orelhas sábias no escutar, sexos que se contentam, perfumes vários para o nariz, mãos que se apertam, dedos que acariciam, múltiplos caminhos para os pés. É verdade que algumas palavras, melhor fora nunca dizê-las, outras nunca escutá-las. Olhos há que procuram ver o que não podem, alguns narizes se metem onde não devem. Há muito prazer insatisfeito, muito desejo vão. Mãos que se fecham. Pés que se atropelam. Mas o simples ato de nascer já pressupõe tudo isso, o primeiro ar que se respira já contém as impurezas do mundo. O primeiro vagido é um desafio. A vida aceitou um novo corpo e o batismo vai traçar-lhe um destino. A luta se inicia: mais um que será salvo. Portanto, alegremo-nos. 

Menino sem nome ainda, não te prometo nada. Não sei se terás infância: brinquedos, quintal, monte de areia, fruta verde, casca de árvore, passarinho, porão de fantasmas, formigas em fila, beira de rio, galinha no choco, caco de vidro, pé machucado. O mundo de hoje, tal como o estou vendo da janela do meu apartamento, desconfio que te reserva para a infância um miraculoso aparelho eletrocosmogônico de brincar. Ou apenas uma eterna garrafa de Coca-Cola e um delicioso Chicabon. 

Aceita, menino, esses inofensivos divertimentos. Leva-os a sério, com toda aquela seriedade grave da infância, chupa o Chicabon, bebe a Coca-Cola, desmonta e torna a montar a miraculosa máquina de brincar de nosso século que a imaginação de teu pai jamais poderia sequer conceber. Impõe a essas coisas e a essa vida que te oferecerão como infância a sofreguidão da tua boca, a ousadia de teus olhos e a força de tuas mãos. Imprime a tudo que tocares a alegria que me deste por nasceres. Qualquer que seja a tua infância, conquista-a, que te abençoo. Dela te nascerá uma convicção. Conquista-a também ― e vá viver, em meu nome. 

Nada te posso dar senão um nome. Nada te posso dar. No teu primeiro instante de vida minha estrela não se apagou. Partiu-se em duas e lá no alto uma delas te espera, será tua. Nada te posso dar senão um nome e esta estrela. Se acreditares em estrela, vai buscá-la. 

(Disponível em <https://cronicabrasileira.org.br/cronicas/13156/dez-minutos-de-idade> Acesso em 18 mai. 2021)

Pelo modo como o texto é escrito, suas escolhas verbais e pela recorrência de vocativos, pode-se pressupor que o texto retrata
A
uma conversa entre pai e filho, relembrando os pensamentos que ele teve quando o filho nasceu.
B
um homem conversando com um menino desconhecido, do qual não sabe o nome, sobre seu filho
C
um filho falando com o pai sobre como se sentia na época em que era criança e quais as suas expectativas
D
o diálogo de um pai com o filho recém-nascido, dizendo a ele seus desejos para a vida da criança.
E
uma lista e desejos de um pai para seu filho, pressionando-o a realizar seus desejos e projeções paternas.