TEXTO 1
AS CASUALIDADES E A SORTE CAMBIANTES DA CRÍTICA
O que está errado com a sociedade em que vivemos, disse Cornelius Castoriadis, é que ela deixou de se questionar. É um tipo de sociedade que não mais reconhece qualquer alternativa para si mesma e, portanto, sente-se absolvida do dever de examinar, demonstrar, justificar (e que dirá provar) a validade de suas suposições tácitas e declaradas.
Isso não significa, entretanto, que nossa sociedade tenha suprimido (ou venha a suprimir) o pensamento crítico como tal. Ela não deixou seus membros reticentes (e menos ainda temerosos) em lhe dar voz. Ao contrário: nossa sociedade - uma sociedade de “indivíduos livres" - fez da crítica da realidade, da insatisfação com “o que está aí” e da expressão dessa insatisfação uma parte inevitável e obrigatória dos afazeres da vida de cada um de seus membros. Como Anthony Giddens nos lembra, estamos hoje engajados na “política-vida”; somos “seres reflexivos” que olhamos de perto cada movimento que fazemos, que estamos raramente satisfeitos com seus resultados e sempre prontos a corrigi-los. De alguma maneira, no entanto, essa reflexão não vai longe o suficiente para alcançar os complexos mecanismos que conectam nossos movimentos com seus resultados e os determinam, e menos ainda as condições que mantêm esses mecanismos em operação. Somos talvez mais “predispostos à crítica”, mais assertivos e intransigentes em nossas críticas que nossos ancestrais em sua vida cotidiana, mas nossa crítica é, por assim dizer, “desdentada”, incapaz de afetar a agenda para nossas escolhas na “política-vida”. A liberdade sem precedentes que nossa sociedade oferece a seus membros chegou, como há tempo nos advertia Leo Strauss, e, com ela também, uma impotência sem precedentes.
Ouve-se algumas vezes a opinião de que a sociedade contemporânea (que aparece sob o nome de última sociedade moderna ou pós-moderna, a sociedade da “segunda modernidade” de Ulrich Beck ou, como prefiro chamá-la, a “sociedade da modernidade fluida”) é inóspita para a crítica. Essa opinião parece perder de vista a natureza da mudança presente, ao supor que o próprio significado de “hospitalidade” permanece invariável em sucessivas fases históricas. A questão é, porém, que a sociedade contemporânea deu à “hospitalidade à crítica” um sentido inteiramente novo e inventou um modo de acomodar o pensamento e a ação crítica permanecendo imune às consequências dessa acomodação e saindo, assim, intacta e sem cicatrizes - reforçada, e não enfraquecida - das tentativas e testes da “política de portas abertas”.
BAUMAN, Zygmunt. A modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
I. “É um tipo de de sociedade que não mais reconhece qualquer alternativa para si mesma e, portanto, sente-se absolvida do dever de examinar, demonstrar, justificar (e que dirá provar) a validade de suas suposições tácitas e declaradas.”
II. “Isso não significa, entretanto, que nossa sociedade tenha suprimido (ou venha a suprimir) o pensamento crítico como tal.”
Sobre os trechos apresentados, é correto afirmar que os (as)