Quem são os professores brasileiros?
Gustavo Loschpe
1.§ É impressionante como sabemos pouco sobre os principais atores do nosso sistema educacional, os professores. Claro, se você acredita na maioria das notícias e artigos veiculados sobre eles, já deve ter um quadro perfeito formado na cabeça: os professores são desmotivados porque ganham pouco, precisam trabalhar em muitas escolas para conseguir pagar as contas do fim do mês. O sujeito se torna professor, no Brasil, por falta de opção, já que não consegue entrar em outros cursos superiores. Portanto, já chega à carreira desmotivado, e, ao deparar com o desprezo da sociedade e seus governantes, desiste da profissão e só permanece nela por não ter alternativa. Essa é a versão propalada aos quatro ventos. Mas eu gostaria que você, dileto leitor, considerasse uma hipótese distinta. E para isso não quero usar a minha opinião, mas dar voz aos próprios professores. Os dados que vêm a seguir são extraídos de questionários respondidos por professores da rede pública brasileira.
2.§ Comecemos pelo início. Não é verdade que os professores caiam de paraquedas na carreira. O acaso motivou a entrada de só 8% dos mestres, e só 2% foi dar aula por não conseguir outro emprego.
3.§ As pessoas que optam pela carreira de professor não são derrotadas. Pelo contrário, são profundamente idealistas. Querem mudar o mundo, mudando a vida de seus alunos. Esse jovem idealista então vai para a universidade estudar pedagogia ou licenciatura na área que lhe interessa. Depois começa a trabalhar.
4.§ As condições objetivas de sua carreira são satisfatórias. A ideia de que o professor precisa correr de um lado para o outro, acumulando escolas e horas insanas de trabalho, não resiste à apuração dos fatos. Quase seis em cada dez professores (57%) trabalham em apenas uma escola. O grau de satisfação médio do professor, de zero a 10, é de 7,9. Só 10% dizem querer abandonar a carreira. Essa satisfação é curiosa, porque os professores estão falhando na sua tarefa mais simples, que é transmitir conhecimentos e desenvolver as capacidades cognitivas de seus alunos. Não sou eu nem os testes nacionais e internacionais de educação que atestamos isso: são os próprios professores. O que explica esse insucesso?
5.§ Um dos principais vilões é identificado pelos próprios professores: seus cursos universitários. Só 34% dos professores acreditam que sua formação está totalmente adequada à realidade do aluno. Nossas faculdades de formação de professores estão mais preocupadas em agradar ao pendor idealista de seus alunos do que em satisfazer suas necessidades técnicas. São cursos profundamente ideologizados e teóricos, descolados da realidade de uma sala de aula média brasileira.
6.§ Então se dá o momento-chave para entendermos nosso sistema educacional: o professor sai da universidade, passa em um concurso, chega à sala de aula e, na maioria dos casos, fracassa. Seus alunos não aprendem. Esse professor poderia entrar em crise, poderia buscar ajuda, poderia voltar a estudar, poderia ter planos de apoio de sua Secretaria de Educação. Mas nada disso costuma acontecer, porque não há sanção ao professor ineficaz, nem incentivo ao professor obstinado. O professor que fracassa continuará recebendo seu salário, pois tem estabilidade. O professor deixa de se preocupar em investir em si mesmo: 74% veem TV todos os dias, mas só 12% leem livros de ficção e 17% participam habitualmente de seminários de atualização.
7.§ Mesmo nesse sistema tão permissivo e ineficiente, persiste um problema: os professores sabem que seus alunos não estão aprendendo. E é extraordinariamente difícil a qualquer pessoa continuar em uma carreira, indo ao trabalho todos os dias, sabendo-se um fracasso. Muitos profissionais sucumbem à depressão e ao esgotamento. Alguns abandonam a carreira. Mas a maioria resolve essa dissonância cognitiva (eu sou um bom professor, meu aluno não aprende) de duas maneiras: culpando o aluno e redefinindo o “sucesso”.
8.§ É por isso que me parecem disparatadas as iniciativas que querem usar de aumentos orçamentários para “recuperar a dignidade do magistério” ou melhorar a educação dobrando os salários dos profissionais da área. A maioria dos professores não está com a dignidade abalada. Está satisfeita, acomodada. O professor não se tornará um profissional mais exitoso se não tiver uma profunda melhora de preparo, por mais que seu salário seja aumentado.
Revista Veja, edição 2.296. p. 132-134. (adaptado)
Estes dados que vêm a seguir são extraídos de questionários respondidos por professores da rede pública brasileira. / “Essa é a versão propalada aos quatro ventos.” Nessas duas frases há o emprego de demonstrativos; a afirmativa correta sobre essas ocorrências é: