Prof. Wagner Santos
Texto 1
Afinal, angústias desse tipo são intrínsecas à experiência humana. Contornar o fim, a morte, enterrando-a a sete palmos ou injetando significados redentores, é um dos esforços que cimentam a tradição ocidental. Não é difícil, porém, perceber como a modernidade faz da extinção da finitude uma obsessão insistente.
Formatados para consumir novidades instantâneas, somos constantemente incentivados a encontrar meios de esvaziar o tempo. Espelhando o funcionamento da natureza, das estações do ano, das órbitas dos planetas, compartimentamos a experiência moderna em ciclos cada vez mais curtos de reconstrução, pois vemos na circularidade a possibilidade de que nossas ruínas possam ser reerguidas (ou varridas) antes que tenhamos que encará-las.
Seja nos videogames — quando nos é dada a chance de viver, morrer, reviver — ou no funcionamento das redes sociais, batalhamos para fazer com que o fim seja tão somente o momento que antecede um novo início. Os stories de Instagram implodem em 24 horas, à espera do próximo. E no mural, os posts jamais chegam ao fim; apenas se atualizam. Recomeçam, recomeçam. Na busca pelo imediato, tudo que remete à permanência — ou que nos lembre da impossibilidade de agir contra ela — é sentido como angústia.
Eis que um vírus — esse elemento externo, invisível e imprevisto — desafia não apenas nosso sistema de saúde, mas nosso funcionamento mental. Estamos, já há meses, obrigados a lidar com nossos escombros em caráter permanente, com nosso imobilismo em estado bruto: o confinamento forçado.
Deslocados da nossa vida usual, daquele cotidiano afundado em burocracias que desencorajam a reflexão sobre seu próprio sentido, nos vemos face a face à presença quase insuportável de nós mesmos e da fragilidade que nos compõe.
Os dias passam, mas, para os que podem levar o isolamento a sério, os cômodos das casas tornaram-se o espaço limite do ir e vir. Confinados, experimentamos o sentimento estranho de imobilidade e o sufocamento da possibilidade de reinício rápido. Quando sairemos de casa, afinal? Quando este ciclo angustiante termina? Onde estão as promessas de recomeço às quais nos acostumaram?
Quando o futuro é nebuloso como nunca, o horizonte da reconstrução ganha um obstáculo à altura. E numa inversão curiosa de peças, a desestabilização inédita e coletiva nos lança — também como nunca — à esfera que nos parece mais sólida: o passado. As TVs reprisam jogos de futebol, novelas e, no Facebook, amigos postam: “responda essa publicação com alguma memória que você tem de mim”.
Não à toa, também, as esperanças não raro se voltam para um mundo cuja novidade maior parece ser, paradoxalmente, um retorno a modos passados de convívio: será que teremos mais contato com a natureza? Será que conseguiremos frear a industrialização? O passado perdido, esvaziado de conteúdo, mas vivo como embalagem desesperada, nunca esteve tão na moda.
De um lado, o retorno a épocas anteriores. De outro, como segunda face de uma mesma moeda, o mergulho na virtualização. A falta de uma previsão de cura esgota o futuro e o confinamento insiste em eternizar um presente sufocante. E como saída, nos deslocamos para essa outra fachada de solidez e controle, esse segundo mundo que inventamos online e cujas regras escapam, sem disfarces, do regime do tempo. Avatares nunca morrem, apenas se refazem.
Disponível em: <nexojornal.com.br>. Acesso em 06/07/2020. Fragmento.
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