(PROPOSTA DE REDAÇÃO)
Texto I
A justiça da impunidade
Ineficiência da polícia e do Judiciário quebra crença nas instituições democráticas
Uma frase de 1764 que consta do clássico Dos delitos e das penas, de Cesare Beccaria, tem uma atualidade notável: “A perspectiva de um castigo moderado, mas inevitável, causará sempre uma impressão mais forte do que o vago temor de um suplício terrível, em relação ao qual se apresenta alguma esperança de impunidade”. Sua antevisão também captou tendências em voga. “Há no Brasil a sensação forte de que, independentemente de classe, riqueza ou poder, os crimes cresceram e se tornaram mais violentos, porém há impunidade. Nesses momentos as pessoas acham que a solução são leis mais severas e mais tempo de prisão”, diz o sociólogo Sérgio Adorno, coordenador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, um dos 17 Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão financiados pela FAPESP (NEV-Cepid/USP).
“O sentimento de impunidade gera descrença nas instituições democráticas encarregadas de aplicar a lei e a ordem, proteger os direitos civis dos cidadãos, consagrados na Constituição, em especial o direito à segurança”, fala o pesquisador. Mas qual seria a real dimensão dessa impunidade? Com essa preocupação foi feita a pesquisa Inquérito policial e processo judicial em São Paulo: o caso dos homicídios, um desdobramento do projeto Estudo da impunidade penal. A proposta era analisar o fluxo de ocorrências de homicídios desde o registro policial até a sentença judicial. O que se pretendia era, além de medir a impunidade penal, identificar os fatores judiciais e extrajudiciais, bem como os mecanismos institucionais que favorecem a desistência da aplicação de penas para estes crimes.
Os números básicos já revelam a magnitude da impunidade: apenas 60,13% das ocorrências de homicídios foram objeto de investigação. Logo, para cerca de 40% dos registros não foram identificados inquéritos policiais. Enquanto os homicídios cresceram 15,51%, os inquéritos policiais aumentaram apenas 7,48%. “Isso significa que aumentou o hiato entre o potencial de crescimento da violência e a capacidade de as autoridades policiais investigarem crimes, o que pode ter repercutido na desconfiança dos moradores nas instituições encarregadas de assegurar a ordem pública e aplicar lei e ordem”, observa o sociólogo.
O dado mais notável é sobre a natureza da autoria dos crimes. Apenas 19,58% dos registros de homicídios são de autoria conhecida: a grande maioria, 76,65%, é de autoria desconhecida. No entanto, 90,36% das ocorrências convertidas em inquérito são de homicídios com autoria conhecida. “Em síntese, todo registro deveria virar investigação, mas há uma seletividade patente centrada nos 10% de conhecidos, ou seja, aqueles cometidos por vizinhos, parentes, colegas de trabalho, amigos de bar etc. Se há flagrante, esse número cresce para 97,64%. A natureza da autoria é um critério de seletividade arraigado na cultura da polícia”, fala Adorno. Se há, por exemplo, suspeita de que existe qualquer relação com tráfico de drogas, cresce ainda mais o risco de o crime não ser investigado. “Os policiais dizem que é muito complexo mexer com isso ou que há um grupo especial para esses casos”, conta o pesquisador. Logo, há um percentual pequeno de homicídios investigados e, veremos, uma condenação quase irrelevante nesses casos. Apenas com flagrante é que as possibilidades aumentam.
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Para o pesquisador, mudou a natureza do crime, mas se insiste em oferecer as mesmas respostas, sem levar em conta que há uma nova “economia do crime” que opera em coletivos organizados sob a forma de rede, cuja resposta não se dá apenas pelo desejo obsessivo de lei e ordem punitiva com mais prisões. “Nem a Justiça, nem as pessoas estão preparadas para esse tipo de crime. Não se trata mais apenas da questão da arbitrariedade, que deve ser combatida, é claro, mas do que funciona ou não para dar a segurança ao cidadão”, fala o pesquisador.
https://revistapesquisa.fapesp.br/a-justica-da-impunidade/. Acesso em 07/2022.
Com base no texto de apoio, escreva um texto dissertativo, de 20 a 30 linhas, com o tema:
“A justiça com as próprias mãos: a falta de segurança no Brasil.”