PALAVRAS ALADAS
Silêncio era a coisa de que aquele rei mais gostava. E de que, a cada dia, mais parecia gostar. Qualquer ruído, dizia, era faca em seus ouvidos.
Por isso, muito jovem ainda, mandou construir altíssimos muros ao redor do castelo. E logo, não satisfeito, ordenou que por cima dos muros, e por cima das torres, por cima dos telhados e dos jardins, passasse imensa redoma de vidro.
(...)
Mas se os sons não podiam entrar, verdade é que também não podiam sair. Qualquer palavra dita, qualquer espirro, soluço, canto, ficava vagando prisioneiro do castelo, sem que lhe fossem de valia fresta de janela ou porta esquecida aberta. Pois se ainda era possível escapar às paredes, nada os libertava da redoma.
Aos poucos, tempo passando sem que ninguém lhe ouvisse os passos, palavras foram se acumulando pelos cantos, frases serpentearam na superfície dos móveis, interjeições salpicaram as tapeçarias, um miado de gato arranhou os corredores.
COLASANTI, Marina. Doze reis e a moça no labirinto do vento. São Paulo: Global, 1999.
Neste pequeno excerto, pode ser observada uma alegoria de: