Leia o texto a seguir e responda à questão.
0 O MENINO QUE QUERIA SER CANOEIRO
1 Era uma vez um menino que ouvia estrelas... Pois digo mais: além de ouvir estrelas o menino
2 queria-porque-queria ser canoeiro. [...]
3 À noite, ele e seus irmãos deitavam no trapiche estendido sobre o rio e ficavam olhando o
4 céu estrelado. Sempre que uma estrela riscava o azul, cada qual fazia um pedido. E foi assim que
5 numa noite em que se achava sozinho fitando o infinito, viu uma estrela correr e então, com toda a
6 força de sua alma, pediu a ela que queria ser canoeiro. Então, como num passe de mágica, o céu
7 se ajoelhou e o menino ouviu, pálido de espanto, a estrela luminosa e retumbante:
8 — Tu hás de ser canoeiro para transportar teus sonhos e os sonhos de teus irmãos através
9 dos mares do mundo!
10 O menino só não desmaiou porque o desmaio ainda não tinha sido inventado, mas passou
11 o resto da noite em claro tentando entender o sonho mágico.
12 Mas como ninguém consegue se eternizar criança, o menino cresceu. E o danado do sonho
13 cresceu com ele, grudado feito carrapato em barriga de boi.
14 Na escolinha caiada, debruçada sobre o rio, aprendeu a ler e a escrever. Em casa, descobriu
15 a literatura nos almanaques e nos folhetos de cordel que lia para parentes e vizinhos. Na leitura,
16 descobriu o poder mágico das palavras para aproximar pessoas e tornar mais leve e colorido o
17 fardo dos dias. Então, ao lado do sonho antigo, outro sonho surgiu, fincou raízes e espalhou ramos
18 no seu coração: queria, também, ser poeta para cantar as coisas do seu povo e do seu chão. Unir
19 os dois sonhos: um poeta-canoeiro pilotando sua canoa carregada de poesia. [...]
20 Mudou-se para a cidade onde exerceu várias profissões, menos a de canoeiro. E se
21 descobriu poeta, fazendo amigos por toda parte através das cartas que mandava e recebia. [...]
22 De quando em vez, viajava pelas águas do Norte revivendo emoções. Mas sua felicidade,
23 além de clandestina, era incompleta: nem canoa nem carga eram suas. E o tempo, verdugo
24 implacável, punha pegadas em seu rosto e neve em seus cabelos. E o sonho ali feito lesma grudada
25 na parede de sua alma. E seus barquinhos de mututi velejando faceiros nas águas de sua memória
26 anciã. Até que certa noite, ao dormir, sonhou que estava no céu rodeado de astros. Reconheceu,
27 entre eles, a grande estrela, que, em menino, fizera o pedido para ser canoeiro. Dela aproximou-se
28 e, com delicadeza, cobrou-lhe a antiga promessa.
29 Depois de ouvi-lo novamente, a estrela respondeu-lhe com seu verbo prenhe de amor e luz:
30 - Oh!, meu caro poeta, então você não percebeu que se tornou canoeiro há muito tempo?!
31 Que você já viaja pelos mares do mundo levando seus sonhos e os sonhos de seus irmãos como
32 eu havia prometido?! Veja: a sua canoa é resistente como a esperança, veloz como a luz e
33 indestrutível como o pensamento, como os seus barquinhos de mututi a singrar as águas de sua
34 fantasia. [...] A Poesia, meu caro e eterno menino, é a sua canoa e você é o canoeiro da palavra.
35 Solte as amarras do verbo, aproveite a maré e o vento a favor e siga em frente. Vá levar sua carga
36 de sonhos a quem dela careça; vá iluminar caminhos, semear esperanças e ensinar seu ofício de
37 canoeiro a tantos outros meninos.
38 Nesse instante, o velho poeta acordou. Sentou-se na cama ainda assustado, mas
39 imensamente feliz com a lembrança do sonho mágico. Correu à janela e ainda deu pra ver o rastro
40 luminoso da grande estrela cadente esvaindo-se no cetim azul do céu.
SIQUEIRA, Antonio Juraci. O Devorador de Metáforas e outras histórias. Belém, 2014. (Adaptado)
"-Oh!, meu caro poeta, então você não percebeu que se tornou canoeiro há muito tempo?! Que você já viaja pelos mares do mundo levando seus sonhos e os sonhos de seus irmãos como eu havia prometido?! Veja: a sua canoa é resistente como a esperança, veloz como a luz e indestrutível como o pensamento." (Linhas 31 e 33)
Pode-se concluir, assim, que ele já havia se tornado canoeiro, como pedido, isto porque o ofício de canoeiro, relacionava-se ao fato dele