Questão
Escola Preparatória de Cadetes do Exército - EsPCEx
1999
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Leia o texto abaixo. Ele servirá de base para se responder.

O Coração Roubado

Marcos Rey

Eu cursava o último ano do primário e como já estava com o diplominha garantido, meu pai me deu um presente muito cobiçado: O coração, famoso livro do escritor italiano Edmondo de Amicis, best-seller mundial do gênero infanto-juvenil, Na página de abertura lá estava a dedicatória do velho, com sua inconfundível letra esparramada. Como todos os garotos da época, apaixonei-me por aquela obra-prima e tanto que a levava ao grupo escolar da Barra Funda para reler trechos no recreio.

Justamente no último dia de aula, o das despedidas, depois da festinha de formatura, voltei para a classe a fim de reunir meus cadernos e objetos escolares, antes do adeus. Mas onde estava O coração? Onde? Desaparecera. Tremendo choque. Algum colega na certa o furtara. Não teria coragem de aparecer em casa sem ele. Ia informar à diretoria quando, passando pelas carteiras, vi a lombada do livro, bem escondido sob uma pasta escolar. Mas... era lá que se sentava o Plínio, não era? Plínio, o primeiro da classe em aplicação e comportamento, o exemplo para todos nós. Inclusive o mais limpinho, o mais bem penteadinho, o mais tudo. Confesso, hesitei. Desmascarar um ídolo? Podia ser até que não acreditassem em mim. Muitos invejavam o Plínio. Peguei o exemplar e o guardei em minha pasta. Caladão. Sem revelar a ninguém o acontecido. Lembro do abraço que Plínio me deu à saída. Parecia estar segurando as lágrimas. Balbuciou algumas palavras emocionadas. Mal pude retribuir, meus braços se recusavam a apertar o cínico.

Chegando em casa minha mãe estranhou que eu não estivesse muito feliz. Já preocupado com o ginásio? Não, eu amargava minha palmeira decepção. Afinal, Plínio era um colega que devíamos imitar pela vida afora, como costumava dizer a professora. Seria mais difícil sobreviver sem o seu exemplo. Por outro lado, considerava se não errara em não delatá-lo. "Vocês estão todos enganados, e a senhora também, sobre o caráter do Plínio. Ele roubou meu livro. E depois ainda foi me abraçar...''

Curioso, a decepção prolongou-se ao livro de Amicis, verdadeira vitrina de qualidades morais dos alunas de uma classe de escola primária. A história de um ano letivo coroado de belos gestos. Quem sabe o autor não conhecesse a fundo seus próprios personagens. Um ingênuo como a nossa professora. Esqueci-o.

Passados muitas anos reconheci o retrato de Plínio num jornal. Advogado, fazia rápida carreira na Justiça. Recebia cumprimentos. Brrr. Magistrado de futuro o tal que furtara meu presente de fim de ano! Que toldara muito cedo minha crença na humanidade! Decidi falar a verdade. Caso alguém se referisse a ele, o que passou a acontecer, eu garantia que se tratava de um ladrão. Se roubava já no curso primário, imaginem agora... Sempre que o rumo de uma conversa levava j grandes decepções, aos enganos de falsas amizades, eu contava, a quem quisesse ouvir, o episódio do embusteiro do' Grupo Escolar Conselheiro Antônio Prado, em breve desembargador ou secretário da Justiça.

- Não piche assim o homem - advertiu-me minha mulher.

- Por que não? É um ladrão!

- Mas quando pegou seu livro era criança.

- O menino é o pai do homem - rebatia vigorosamente.

Plínio fixara-se como iim marco para mim. Toda vez que o procedimento de alguém me surpreendia, a face oculta de uma pessoa era revelada, lembrava-me irremediavelmente dele. Limpinho. Penteadinho. E com a mão de gato se apoderando de meu livro.

Certa vez tomaram a sua defesa:

- Plínio, um ladrão? Calúnia! Retire-se da rainha presença!

Quando o desembargador Plínio já estava aposentado, mudei-me para meu endereço atual. Durante a mudança alguns livros despencaram de uma estante improvisada. Um deles O coração, de Amicis. Saudades. Havia quantos anos não o abria? Quarenta ou mais? Lembrei da dedicatória de meu falecido pai. Ele tinha boa letra. Procurei-a na página de rosto. Não a encontrei. Teria a tinta se apagado? Na página seguinte havia uma dedicatória. Mas não reconheci a caligrafia paterna.

"Ao meu querido filho Plínio, com todo amor e carinho de seu pai."

O que justificaria o feto de o narrador, de imediato, ter pensado em roubo seria
A
ter levado um tremendo choque.
B
o livro estar escondido entre os pertences de seu colega.
C
o livro ser muito cobiçado pelos garotos da época.
D
o livro ter sumido justo no último dia de aula.
E
a dúvida em relação ao caráter de Plínio.