Leia o seguinte excerto do conto “A causa secreta”, de Machado de Assis:
“Fortunato saiu, foi deitar-se no sofá da saleta contígua, e adormeceu logo. Vinte minutos depois acordou, quis dormir outra vez, cochilou alguns minutos, até que se levantou e voltou à sala. Caminhava nas pontas dos pés para não acordar a parenta, que dormia perto. Chegando a porta, estacou assombrado.
Garcia tinha-se chegado ao cadáver, levantara o lenço e contemplara por alguns instantes as feições defuntas. Depois, como se a morte espiritualizasse tudo, inclinou-se e beijou-o na testa. Foi nesse momento que Fortunato chegou à porta. Estacou assombrado; não podia ser o beijo da amizade, podia ser o epílogo de um livro adúltero. Nao tinha ciúmes, note-se; a natureza compô-lo de maneira que lhe não deu ciúmes nem inveja, mas dera-lhe vaidade, que não é menos cativa ao ressentimento. Olhou assombrado, mordendo os beiços.
Entretanto, Garcia inclinou-se ainda para beijar outra vez o cadáver; mas então não pode mais. O beijo rebentou em soluços, e os olhos não puderam conter as lagrimas, que vieram em borbotões, lágrimas de amor calado, e irremediável desespero. Fortunato, a porta, onde ficara, saboreou tranquilo essa explosão de dor moral que foi longa, muito longa, deliciosamente longa.”
(50 contos de Machado de Assis. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 368-76.)
Pode-se afirmar que está presente a seguinte característica, típica da literatura realista de Machado de Assis: