Enclaves fortificados / Bolhas de segurança
Marcelle Machado de Souza
É exatamente nas duas últimas décadas do século XX que o discurso sobre o medo da violência e do crime passa a fazer parte da vida social e política, com a gritante insegurança da atual era do medo, trazendo consequências como a legitimação das transformações das relações sociais para com os espaços públicos e estruturação de padrões de segregação espacial.
Tais padrões de segregação podem ser vistos claramente na cidade de São Paulo, por exemplo, onde o discurso do medo acaba por servir de argumento motivador para as transformações na forma de ocupação dos espaços públicos, com o deslocamento das classes mais altas, com a redefinição de espaço público que vem reforçar a exclusão social, a discriminação, os preconceitos de classe e raça, a estigmatização e um olhar cada vez mais diferenciado e negativo para as classes mais pobres e vulneráveis da sociedade paulistana.
A estrutura que vem se configurando em São Paulo desde a década de 80, no século passado, e alterando a vida na cidade e em sua região metropolitana é a de criação de espaços onde diferentes grupos sociais encontram-se extremamente próximos, mas separados por muros e tecnologias de segurança, por barreiras físicas e sistemas de identificação e controle, que geram uma ausência de circulação ou interação em áreas comuns. Como classificado por CALDEIRA (2003: 211), o principal instrumento deste novo padrão de segregação espacial que surge nos anos 80 são os “enclaves fortificados” – espaços privatizados, fechados e monitorados para residência, consumo, lazer e trabalho.
Entendem-se por enclaves fortificados não apenas os grandes condomínios fechados das classes mais altas, mas ainda conjuntos de escritórios, prédios de apartamentos, shopping centers, escolas, hospitais, centros de lazer, parques temáticos, todos os que vêm sendo adaptados para mudar o panorama da cidade, seu padrão de segregação espacial e o caráter de espaço público até então capaz de gerar interações públicas entre as classes. Todos os enclaves fortificados partilham características básicas como demarcação física, isolamento por muros, grades, espaços vazios e detalhes arquitetônicos; são propriedade privada para uso coletivo, dão ênfase ao valor do que é restrito e privado, desvalorizando o que é público e aberto na cidade.
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Para CALDEIRA (2003:307), um espaço público moderno e democrático promove a interação de pessoas, incorporando um ideal de cidade aberta, tolerante às diferenças sociais e à negociação de encontros anônimos. É um espaço no qual diferentes cidadãos negociam os termos de sua interação e interagem socialmente a despeito de suas desigualdades.
No entanto, cidades como a São Paulo contemporânea representam um tipo totalmente distinto de espaço público urbano, em decorrência exatamente de seus enclaves fortificados, suas fronteiras fixas e seus espaços de acesso restrito e controlado. Os pedestres e suas interações anônimas foram retirados das ruas! A rua, como elemento central da vida pública moderna, foi eliminada! E assim, segundo ZALUAR (2006:216), esse tipo de postura leva à modificação do aspecto das residências nos centros urbanos que passam a exibir seus “muros altos, grades, fechaduras, alarmes e cadeados, e principalmente o descrédito da participação em espaços públicos, com a evidente negação da civilidade no trato com estranhos como parte da cidadania.”
(Adaptado de: <https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/26673/26673_1.PDF> Acesso em 02 set. 2020)
Quanto à transitividade e a seus complementos, assinale a alternativa em que o trecho é analisado corretamente. “esse tipo de postura leva à modificação do aspecto das residências nos centros urbanos”