Drummond viu antes
Sebastião Vargas Neto achou mais uma prova da capacidade que os poetas têm de ver a alma do mundo. Depois da explosão do World Trade Center, lembrou-se de que já tinha ouvido falar do assunto. Foi aos livros e localizou o poema “Elegia 1938”, de Carlos Drummond de Andrade, publicado em 1940.
O poeta disse o seguinte:
Trabalhas sem alegria para um mundo caduco, onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo. Praticas laboriosamente os gestos universais, sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.
Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas, e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção.
À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.
Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.
Caminhas entre mortos e com eles conversas sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.
A literatura estragou tuas melhores horas de amor.
Ao telefone perdeste muito tempo, muitíssimo tempo de semear.
Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota e adiar para outro século a felicidade coletiva.
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.
(Jornal O Globo, 16-09-2001.)
Do título do texto “Drummond viu antes” infere-se que: