O COMPORTAMENTO HUMANO E OS MILAGRES DA TECNOLOGIA.
Existem aspectos da tecnologia que obviamente interferem no comportamento das pessoa assim não fosse, o automóvel não teria se tornado um dos símbolos do século XX. Quando Ford o inventou e popularizou, muita gente não o levou a sério. Quem seria louco de trocar seu cavalo ou sua carruagem de luxo por um veículo estapafúrdio e barulhento?
Assim aconteceu também com o avião, cuja invenção parecia, no mínimo, um sonho impossível. Afinal, onde se viu um homem voar? Santos Dumont não só colocou o 14 Bis no ar como acabou inventando o relógio de pulso. Era difícil para o piloto tirar o relógio do bolso do colete todas vez que precisava medir suas peripécias aéreas. Com isso, criou-se uma metáfora do século. O tempo nunca governou tanto o homem, que passou a trazer o relógio preso ao pulso como uma algema.
No mundo contemporâneo, o espantoso avanço da informática vem mudando o hábito das pessoas. Até há duas décadas, era preciso uma sala inteira para guardar um computador. Hoje, existem computadores do tamanho de uma agenda de bolso. A grande novidade, no entanto, é a Internet, que mais é do que uma fusão do computador com o conforto da telefonia. Talvez Graham Bell, inventor do telefone, jamais tenha imaginado que sua criação pudesse evoluir tanto.
Mas o avanço acelerado dos recursos do computador está afetando profundamente o comportamento e as relações humanas. Cada dia a vida se toma mais artificial. Há pessoas que passam mais da metade de seu tempo diante da telinha, envolvidas pela realidade virtual, alienandose dos problemas do mundo real. Hoje, tomou-se mais fácil conversar com pessoas em outros países do que o próprio vizinho. Enfim, a amizade virtual é mais discreta e controlável. Apesar de assépticos, namoro e sexo à distância parecem ter mais sabor de mistério e fantasia.
A civilização é o grande artifício criado pela humanidade para se proteger das intempéries natureza. Neste sentido, para quem dispõe do conforto oferecido pela pós-modemidade, a vida se tomou aparentemente mais controlável. Assim, as classes mais favorecidas vivem num mundo de faz-de-conta, distantes da dura realidade enfrentada diariamente pelos mais pobres. O habitat ideal é o condor fechado e o shopping center. Quem fica fora não interessa, e a Internet é apenas mais uma janela através qual a gente só vê aquilo que de fato nos diz respeito. O resultado disso tudo é uma sociedade cada vez mais fria e individualista, onde já não há lugar para a solidariedade.
No entanto, o avanço tecnológico não foi implementado para isso. Pelo contrário, os cientistas inventores sempre imaginam prestar um bom serviço à humanidade. Santos Dumont caiu em profunda depressão quando soube que sua principal invenção estava sendo utilizada como máquina de guerra. Hoje a pesquisa genética opera milagres. Recentemente, cientistas clonaram uma ovelha e, agora, criam animais com genes humanos para produzir órgãos para transplantes e plasma sangüíneo para transfusão. Cientistas japoneses acabam de gerar uma cabra num útero completamente artificial. Quantas mulheres que não conseguem levar à frente o milagre da gestação poderão se beneficiar dessa tecnologia! Que maravilha a ciência estar empenhada em salvar vidas e proporcionar conforto e segurança à espécie humana!
Por essas e outras, pode-se deduzir que toda e qualquer invenção humana tem sempre mais de uma finalidade. A opção entre o bem e o mal é decisão de cada um. A Internet serve para educar e divertir pode, também, afastar as pessoas do mundo real. A mesma genética que pode criar em animais plasma sangüíneo compatível com o do homem, pode também ser utilizada na criação de super-guerreiros, um dia sonharam os nazistas. Enfim, existe o livre arbítrio. Resistir às inovações tecnológicas e cientificas é, no mínimo, uma demonstração de medo e ignorância. A questão é se preparar para melhor utilizá-las em nosso dia-a-dia. Afinal, um século depois da invenção do automóvel, não teria sentido manter-se um cavalo na garagem de casa em pleno centro da cidade.
(Jorge Fernando dos Santos- In ESPETÁCULO/OPINIÃO - Estado de Minas - 10/08/97)
A artificialidade das relações afetivas na vida moderna está bem exemplificada em: