Questão
Simulado FN
2024
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Texto I:

O amor é analógico. Beatriz e eu estamos empreendendo uma força-tarefa de anotar tudo o que nos interessa em caderninhos. De receitas. De serviços. De itens para a casa. De amigos com o respectivo endereço.  
Voltamos para os tempos da nossa infância com o propósito de lutar contra o esquecimento.  

Praticamos a nossa letra. Notamos que, quando usamos a nossa caligrafia, há menores chances de esquecer algo.  

Talvez por isso, eu me esqueça de metade dos itens do supermercado, porque quem elabora a lista é ela. Nossas próprias anotações se ramificam mais poderosamente em nosso cérebro. O novo antigo hábito se deu pela tensão cotidiana, porque nos percebemos sobressaltados de lapsos, vácuos e lacunas. Parecíamos dois velhinhos precoces, amparando-se em perguntas sucessivas para as mínimas questões.  

Era como se não soubéssemos mais lembrar sozinhos. O Google tornou-se uma bengala para andar cem metros pela casa.  

Não estou exagerando. Não memorizávamos mais números telefônicos porque salvávamos todos os contatos na agenda do celular.  

Apagado, o celular pessoal é um cofre alheio. Ao enfrentar uma encrenca, você não sabe de cabeça nem o telefone da sua mãe, do seu pai, do seu filho. Não faz ideia de quais são as combinações numéricas dos seus parentes. Se acabar a bateria no meio de um pedido de socorro, vira um sem-teto. 

As nuvens pairam muito altas para ajudá-lo quando se vê em apuros. Terceirizar a lembrança vem produzindo apagões. Você deixa de viver para viver depois o que armazenou no celular. Não assiste a um show, mas filma.

Não curte mais a paisagem de uma viagem, mas fotografa. Assim não registra a ordem das canções ou a localização dos pontos turísticos. Esteve num lugar com venda nos olhos, quase como num autossequestro.  

É uma passividade violenta. Transformamos nossa correria num purgatório. Jamais olharemos depois o que gravamos com atenção. Somos empurrados para outras novidades e acontecimentos. Adiar é nunca realizar.

Pouco revisitamos o nosso acervo digital. O celular guarda seus dados, mas você ainda precisa de memória para achar as informações dentro dele.  

No labirinto do aparelho, você também se perde. Pois tampouco recorda como salvou os nomes dos conhecidos na agenda. Surge apenas o rosto em sua memória, não o nome... como se chama aquele advogado que conheci na praça do Papa correndo com o seu cachorro?  

Pois é, anotou o primeiro nome e extraviou a ponte entre a fisionomia e as palavras. Não parou para pensar. Nem pôs o sobrenome para ampliar a pesquisa. Repassar a evocação para a máquina apenas dificulta a nossa rotina, não nos garante segurança.  

Existe a prática de printar páginas interessantes do que catamos nas redes sociais. Um restaurante. Uma loja. Um café. Um hotel. Porém, são tantas as fotos na galeria de imagens que não encontramos nada. Às vezes, eu guardo a sincera impressão de que o celular é um terreno baldio. Não tem ninguém morando nele.  

Temos que sair de nossos avatares e de nossos filtros até para sentir saudade. A saudade é orgânica, sem intermediários. A saudade é um esforço da percepção.

(Disponível em: https://www.otempo.com.br/opiniao/fabricio-carpinejar/amor-analogico-1.2857779) 

Assinale o termo que possui mesma função sintática que o elemento destacado em “Porém, são tantas as fotos na galeria de imagens que não encontramos nada.”
A
 As dúvidas de que falei eram importantes.
B
 Sempre que precisar pode chamar!
C
 Que importante você comentar sobre isso.
D
 Era ele que eu amava.
E
Comi de tal forma que passei mal.